Maguila: “Não tenho força para enfrentar o poder do agronegócio”

Prefeito de Correntina espera audiência com direção do Inema há dois anos

Paulo Oliveira e Thomas Bauer (*)

 

No quarto mandato (2004-2008-2016-2020) à frente do Executivo municipal, Nilson José Rodrigues (PCdoB), o Maguila, 55 anos, se declara impotente diante das milícias rurais, ameaças e atentados cometidos por pistoleiros contratados por latifundiários para expulsar os integrantes de comunidades tradicionais. Os fecheiros, como são conhecidos, há mais de dois séculos preservam a vegetação e utilizam a área para alimentar seus pequenos rebanhos em períodos de estiagem ou para que se cumpra o ciclo de capim.

Maguila, em entrevista exclusiva a Meus Sertões, apresentou desculpas, argumentos, conformismo e fatos desconcertantes para justificar o seu sentimento. O mais grave e contundente é a omissão do governo do Estado, chefiado por Rui Costa (PT), que já atua como ministro da Casa Civil do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, antes mesmo da posse. O prefeito declarou ainda que não tem força para enfrentar o poder do agronegócio.

“Para você [o repórter] ter uma noção, eu pedi uma audiência com a diretora do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos, Márcia Teles, tem uns dois anos. Até hoje não consegui falar com ela. Fiz uma reunião com Rui e ele disse que ouviria o staff, mas nunca disse o que foi resolvido”.

Desde setembro, quando a violência recrudesceu no município, as autoridades estaduais foram alertadas por cerca de 50 organizações que integram a Campanha Nacional em Defesa do Cerrado. A única providência tomada foi o envio de policiais militares da Companhia Independente do Cerrado para a região.

No entanto, após mais de um mês de patrulhamento, nenhum pistoleiro ou contratante foi preso em Correntina, apesar de diversas queixas terem sido feitas pelas Associações de Fundo de Pasto na delegacia local e no Ministério Público. Em Santa Maria da Vitória, no entanto, dois pistoleiros foram presos na semana passada. Os denunciantes apresentaram fotos e informações sobre os locais onde os criminosos são acoitados. A companhia que se vangloria de ser eficiente, dessa vez faz um trabalho pífio.

O prefeito de Correntina guarda na memória a imagem da mãe aflita ao ver o pai dele partir da comunidade rural de Barra das Lajes, onde moravam, para levar gado para os gerais. Os camponeses costumavam percorrer uma distância de até 200 quilômetros até a divisa da Bahia com Goiás para alimentar o gado solto em áreas preservadas do cerrado.

A preocupação da mãe de Maguila não tinha a ver com onças, abundantes àquela época. Estava relacionada com um grileiro chamado Cavalcanti. De acordo com o “Dossiê e Lutas Sociais do Campo”, do Programa de Pós-Graduação em Educação do Campo, da Universidade Federal do Recôncavo Baiano, o criminoso contratava pistoleiros, fazia desmatamento ilegal e ameaçava famílias¹.
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Era uma época em que as terras do oeste baiano não eram tão produtivas, segundo o prefeito. Imagine agora, com o alto rendimento dos latifúndios, principalmente, das plantações de soja e algodão. O Fecho de Pasto das Bananas, para onde Maguila ia com o pai até os 13 anos de idade, por exemplo, não existe mais.

A ganância dos empresários do agronegócio fez recrudescer a violência. Desde setembro foram registrados atentados, ameaças de morte, bloqueios de estradas e destruição de cercas e ranchos pertencentes às comunidades tradicionais.

Alertadas pela Campanha Nacional de Defesa do Cerrado, constituída por cerca de cinquenta organizações da sociedade civil, movimentos sociais, representantes de comunidades tradicionais e povos indígenas do Cerrado, as autoridades estaduais praticamente não fizeram nada para impedir a ação de milícias rurais. Não é para menos, o currículo de Rui Costa mostra várias omissões e atos questionáveis.

Em 6 de fevereiro de 2015, logo após tomar posse, o governador comparou a ação de nove PMs que mataram 12 jovens negros e deixaram três feridos com a de “um artilheiro (…) que tenta decidir, em alguns segundos, como é que ele vai botar a bola dentro do gol”.

À época, Rui apoiou os policiais que participaram da chacina cometida na Vila Moisés, no bairro do Cabula, em Salvador, embora a denúncia do Ministério Público destacasse que “militares em serviço, todos portando armas de fogo de grosso calibre, no curso de suposta diligência policial, encurralaram e executaram sumariamente os jovens”.

Também partiu de Rui Costa a autorização para a PM baiana militarizar escolas públicas municipais do Estado seis meses antes das eleições de 2018, na qual ele viria a ser reeleito. O processo de militarização antes mesmo do presidente Jair Bolsonaro criar escolas cívico-militares. Quando os colégios sob a tutela federal entraram em funcionamento, o petista recusou adotá-los na Bahia porque já tinha as escolas baianas militarizadas.

Ainda no governo do futuro chefe da Casa Civil do presidente Lula, a distribuição de licenças ambientais para supressão de vegetação e uso de grandes quantidades de água para empreendimentos de mineradoras, parques eólicos e agronegócio  foram concedidas aos borbotões, sem o Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) dar explicações. Meus Sertões pediu entrevistas sobre este tema, através da assessoria de comunicação da Bahia, a Rui, à Secretaria de Meio Ambiente e ao Inema, mas não obteve respostas.

Voltando à questão de Correntina.

Por que os latifundiários intensificaram ações intimidatórias contra os pequenos produtores? Porque segundo o Código Florestal é preciso manter preservado o bioma Cerrado equivalente a 20% da área devastada para plantações. Sem o cumprimento da lei, os proprietários rurais não podem obter empréstimos, nem comercializar a produção.

Ocorre que a legislação estabelece que a preservação pode ser em qualquer área do cerrado, não necessariamente nas grandes fazendas. Sendo assim, os latifundiários querem expulsar os fecheiros para poder ocupar as terras intactas. O reduzidíssimo controle do poder público sobre as declarações dos produtores em todo o país é confirmada pelo Observatório do Código Floresta.

A entidade, que lançou há uma semana o “Termômetro do Código Florestal” mostra que 42 milhões de hectares dos imóveis sobrepõem territórios protegidos como áreas de comunidades tradicionais, unidades de conservação, florestas públicas e assentamento:

“O tamanho dessa área declarada em terras protegidas causa um impacto muito negativo. São produtores que têm acesso a créditos para financiar a produção agrícola mesmo em locais proibidos. Há imóveis registrados de forma equivocada, por causa de problemas em cartórios. Mas a maior parte dos casos é de proprietários querendo fazer grilagem – explicou Roberta Del Giudice, secretária-executiva do Observatório do Código Florestal, em entrevista ao jornal O Globo.

Leia a seguir a entrevista com o prefeito Maguila na íntegra:

Embora a questão de segurança pública seja uma atribuição do Estado, o que a prefeitura de Correntina pode fazer para mitigar os atentados e as ocorrências envolvendo pistoleiros contra os integrantes das comunidades de fecho de pasto?

Como você disse, isso é questão de segurança pública. É Estado. Mas, na medida do possível, com a nossa condição, a gente ajuda. Por exemplo: teve uma vez que foram no fecho do pessoal dos Mateus, cortaram cerca, cortaram com motosserra para que não se aproveitasse mais a madeira, cortam o arame. O que a gente fez como prefeitura? Eu solicitei do comandante regional da PM a presença da polícia para me acompanhar até o local. Marcamos com o pessoal, mobilizamos o pessoal, fomos para lá e refizemos a cerca. Aí eu comprei o arame, ajudei a fazer a cerca. Eu estava lá com a polícia, então eles trabalharam sem preocupação.

No Fecho da Vereda da Felicidade, eles também me procuraram, pediram para que eu ajudasse. Fui lá com máquinas para fazer uma estrada que eles queriam fazer um percurso mais curto. Fui com eles justamente para dar segurança, para não acontecer conflito. A gente leva segurança e não tem problema nenhum. Porque quando a gente vai e leva a polícia, aí é diferente.

Eu nunca incentivo as pessoas a irem lá e derrubarem as cercas. Porque estaria incentivando um negócio que pode resultar em um ou dois ou três feridos ou até mortes. Isso é ruim para o município. Não é isso que a gente quer.

São comuns os conflitos por causa de terra e água em Correntina?

Isso é histórico. A minha mãe era diretora do sindicato, e eu sempre frequentava esse movimento. E eu me lembro dessa briga da Planta Sete com os posseiros de Arrojelândia. Isso não é de hoje. Graças a Deus fizeram um acordo lá. Não sei de que forma foi. Depois do acordo, a Planta Sete se retirou da área, mas em seguida apareceu outra empresa dizendo ser dona da área.

Recentemente participei de uma reunião lá na ouvidoria do Estado, com muita gente, muitos órgãos. Corremos atrás, pedimos várias vezes a titularização das áreas porque isso traria tranquilidade para os posseiros, mas até agora nada.

A gente sabe que nossa área aqui é muito extensa e não existia documento. Naquele tempo montava-se uma escritura. Pegava uma matrícula e essa matrícula desmanchava em não sei quantas escrituras e documentava as pessoas. Agora, como acontece isso? O grileiro não cai de paraquedas, ele aproveita a fragilidade de um grupo de posseiros. Eles vão atrás do mais frágil. Geralmente, procura alguém da comunidade, começa a buzinar no ouvido dele e até compra a parte dele. De posse do recibo daquilo, ele já tem condição de mais um ou mais dois; começa a amedrontar; a botar pistoleiro na área.

Aí, alguns dizem: “Quer saber de uma coisa: fulano perdeu, eu também vou perder. Eu vou é vender por qualquer preço”. Muitos vendem porque se sente cansados. Como a luta é antiga, desde o avô, e a pessoa tira a mão e esquece. Se em um grupo de 10 ou de 20 uma parte vende, cada um que vai saindo, vai enfraquecendo o grupo. E aí eles {grileiros e latifundiários} entram e acabam tomando, empossando, regularizando da forma deles lá e assumem o negócio.

Rui Costa: omissões e atos questionáveis durante o mandato de governador. Foto: Divulgação

Do ponto de vista político, a Bahia está sendo governada por um governador de partido supostamente de esquerda. Só que os conflitos se acentuaram por uma falta de ação do governo que permite concessão de licenças, outorgas, sem muitos critérios. Como é sua relação com o governador Rui Costa, como o senhor trata essa questão com o governo estadual?

A minha relação com o governador é boa porque ele também é de partido de esquerda. Não sou do partido dele, sou do PC do B, que é do mesmo alinhamento. A gente tem discutido muito isso. O que vocês têm de entender é que o agronegócio é um grupo, uma coisa muito poderosa.

Então existem muitas coisas, por exemplo, a ação discriminatória. A maioria dessas discriminatórias é barrada na Justiça. Porque você não pode fazer, o governo não pode fazer na canetada. Ele precisa encaminhar isso. Por exemplo, vai discriminar uma área que para eles é do estado, mas existe uma escritura lá. É preciso a justiça discutir qual é a veracidade dessa escritura e qual a origem dela. Você sabe que a justiça não é tão rápida assim.

Em 2017, um grupo de moradores, insatisfeito com o excesso de água retirado, a falta de fiscalização e a diminuição da vazão do rio Arrojado, entrou na Fazenda Igarashi e causou danos nos pivôs centrais e em outros equipamentos. Como está a questão das águas hoje?

Graças a Deus, esse ano, choveu bastante. Várias nascentes onde a água não corria, voltou a jorrar. Vou citar como exemplo o Córrego da Barra das Lajes, o lugar onde eu nasci. Corria muita água. Lá tinha canal de irrigação e tudo secou. Nem no córrego corria mais água. Essa semana, passamos lá e vi que ainda tinha água correndo.

No Córrego do Tatu aconteceu a mesma coisa. Isso em função da chuva, que foi boa esse ano. Mas a gente percebe que a cada ano diminui o volume de água de nossos rios. Não é só em um rio, é em todos os cinco rios de Correntina. Em todos o volume de água está diminuindo. A nossa secretaria de meio ambiente tem feito o trabalho de cercamento de nascentes; temos buscado convênio com a Codevasf para fazer contenção de barragem, cercamento de nascentes; a gente tem um viveiro grande para produção de mudas, usadas para tentar recuperar essas áreas.

Fizemos um mutirão na Vereda Grande, ajudamos a fazer cerca no local e fiquei muito feliz. Dois anos depois, a comunidade estava lá pegando água. Isso mostra que é possível recuperar aos poucos. Mas não é fácil. Depois chegaram para mim reclamando. Alguém cortou o arame, mas ninguém sabe quem é. Adentraram na vereda para pisotear. É preciso um nível de conscientização muito grande e isso tem que começar pelas escolas.

Antigamente, nós os pequenos produtores é que íamos para os gerais para fazer as queimadas, para soltar gado. E se acredita que até hoje, em Arrojelândia, tem gente com essa mentalidade. Você põe fogo no Gerais, ele adentra a vereda. E a vereda tem a trufa, que queima para dentro, e você não consegue apagar. Um negócio terrível.

Dá para estabelecer que a partir do cercamento, as veredas têm brotado mais água. E que a chuva tem colaborado para isso. Mas por outro lado, nós vemos cada vez mais áreas desmatadas.

Um exemplo para deixar bem claro. Onde é a caixa de reserva de água da região. É lá em cima (mais próximo da divisa com Goiás). Quem alimenta o lençol freático? É lá em cima. Mas tudo isso foi desmatado para produzir. E ainda tem um agravante: a abertura de poços artesianos com uma profundidade enorme nas fazendas. A gente não sabe como está lá embaixo. Tem os estudiosos que fazem relatórios, que dizem que está ok, mas a gente não está vendo para ver se o que ele está falando é verdade.

O município tem legislação ambiental?

Tem

Pode ser criada alguma norma para ficar mais rigoroso o desmatamento lá em cima ou em outras áreas do município?

Não. Nossa legislação é mais severa que a do Estado. Porém, quem dá permissão para o desmatamento não é o município. Eu não posso fazer uma lei dizendo que quem vai dar a autorização é o município.

Mas o município pode fiscalizar e multar os infratores? Quantos homens têm nessa missão?

Temos uma equipe que faz isso. Agora, a gente só pode multar quando ele {o dono da propriedade} está errado. Se chegar lá e ele estiver com a licença do Estado, não posso fazer nada. Nosso Meio Ambiente não pode fazer nada. Inclusive, a gente teve uma briga grande com uma empresa que chegou agora, chamada Agro Tati, antiga Papaiz. Ela chegou com uma licença de dispensa de limpeza de pastagem. Aí picou máquina para derrubar tudo. A fiscalização nossa foi lá, notificou, suspendeu, multou. E veio uma avalanche de gente atrás de mim para não fazer. Tivemos o seguinte diálogo:

“Gente, eu não posso mudar a legislação.”

“Mas você fala com seus fiscais para fazer”.

“Eu não posso fazer isso” – disse.

Beleza, parou, mas dizem que a empresa já está trabalhando para conseguir a licença do estado. Pronto, se conseguir a licença nós não podemos fazer mais nada.

O senhor diz que tem boa relação com o governador. Nesse momento o senhor não pode ligar para ele e pedir para resolver esse problema?

(Um assessor do prefeito interrompe) – Se me permite. A maior legislação ambiental é o Código Florestal. O estado também se depara com o Código Florestal, que foi aprovado por maioria no Congresso. O cara tem uma propriedade, vou dar o exemplo da Agro Tati. Se o pessoal vier com a licença de dispensa de limpeza de pastagem vai tratar como supressão de vegetação nativa. E aí o que o estado vai fazer. Vai mapear a área.

Vamos dizer que a área tem 10 mil hectares, vai desmatar quanto dessa área. No Cerrado pode desmatar 80% e deixa 20% de reserva. É o que a maioria das fazendas faz. Porque lá na parte próxima à rodovia 020 está tudo desmatado. Então a maioria das fazendas estão alocando reservas em outras áreas. Áreas que pertencem aos fechos. Outros compram pedaços de terra de um e de outro e fazem isso. A Secretaria do Meio Ambiente e o Estado ficam reféns de uma lei federal.

Se cada um ficar jogando a responsabilidade para o outro – do município para o estado, do estado para o Congresso –  ninguém fará nada e daqui a alguns anos Correntina será um deserto As conversas entre município e estado são importantes. Então o que se faz diante do quadro que foi relatado?

Para você ter uma noção, eu pedi uma audiência com â secretária de Meio Ambiente, a diretora do Inema, Márcia Teles, tem uns dois anos. Não consegui falar com ela até hoje.

Ouvimos várias queixas contra a diretora do Inema. Ela é acusada de supostamente favorecer os graúdos e esquecer os pequenos produtores e criadores. Não é possível fazer pressão política para modificar o comando do Inema. Já passou essa ideia pelo comando do município?

Vocês têm noção da capacidade política, do tamanho político que é Correntina. Não é assim fácil. Fazer discurso é bonito, mas na hora de agir será que o cara vai ouvir Correntina diante de 417 municípios.

Se o senhor colocar 10 mil, 12 mil pessoas na rua, vai ter que ouvir?

Nós fizemos isso aqui, 12 mil pessoas, resolveu o quê?

 

Protesto contra uso abusivo de água pela Igarashi. Foto: Thomas Bauer/H-3000-CPT-BA/Arquivo

O senhor se refere ao grande protesto que parou a Igarashi.

Será que parou? Eu não conheço. Nunca fui lá. Não sei.

(Um outro servidor fala sobre essa questão) A mudança {consequência do protesto na fazenda] foi a instalação do hidrômetro na propriedade e o Plano de Bacia do rio Corrente, que foi feito, mas ainda não foi implantado.

(Maguila) Você sabe quantos deputados que defendem o agro têm lá na Assembleia Legislativa? E você sabem quem elege esses deputados? Não é o agro. A maioria do agro nem vota aqui, vota. Quem vota é o próprio eleitor, ribeirinhos inclusive.

Essa coisa de culpar o eleitor por isso em um país que passou 500 anos na ignorância porque o colonizador manteve o povo assim para manipulá-lo, é fácil. Se as pessoas tivessem consciência e fossem esclarecidas, o atual presidente não teria cerca de 50 milhões de votos. Então isso é fruto de todo histórico do país, que não investiu em educação, não puniu ninguém pela escravidão nem pela ditadura. Mas em função disso, desculpe a veemência, não podemos nos conformar com isso. Ainda mais o senhor que pertence a uma família de fecheiros.

E eu estou me conformando? Eu dei exemplo de toda vez que os fecheiros precisaram de mim, eu estava presente. É o que eu posso fazer. Reconstruir a cerca, dar o arame, chamar a polícia, agora eu tenho condições de mudar o quadro na Assembleia? Não tenho.

Quantos fiscais o senhor tem na área de Meio Ambiente?

Não sei de mente agora2, mas temos gente suficiente para isso. Nós temos ainda duas viaturas traçadas que podem correr por aí afora. Temos um quadro excelente de pessoas decentes, que não se corrompem.

Vou dar outro exemplo para vocês: os movimentos sociais também têm muita gente junto ao governo, mas eles fazem o quê? Eles são ouvidos pelo governo? Mas os movimentos sociais são uma força. Se ele não está ouvindo vocês, que são bem maior. A Comissão Pastoral da Terra é um movimento.

(Thomas explica) Não é um movimento, é uma pastoral.

(Prefeito) Se os movimentos sociais não conseguem ser ouvidos imagine o Maguila sozinho.

Não é o Maguila sozinho, são todos os eleitores de Maguila também.

Isso é um pingo d’água no oceano.

Como o senhor analisa que a situação ficará a partir do resultado das eleições presidenciais3. Como elas repercutirão em Correntina?

Por isso que eu voto em Jerônimo [Rodrigues, candidato indicado por Rui Costa] e voto em Lula porque eu tenho esperança que possa melhorar a nossa vida. Está ruim? Não está bom, mas pode ficar melhor se soubermos fazer a coisa. Pode piorar muito mais se cairmos na mão de Bolsonaro e ACM Neto. Aí é que vocês vão ver. Pelo menos eu ainda tenho a liberdade de requisitar a polícia me acompanhar. Depois que eles {os opositores] virarem o negócio, deixa eu chamar a polícia para ir nos gerais para fazer cerca para ver se os PMs irão.

Você falou uma coisa interessante, esses donos das empresas não votam aqui, mas independente do voto, eles têm alguma relação ou se importam com a cidade? Eles vêm de Goiânia, vêm de Brasília…

São do Sul e paulistas

Como eles se relacionam com a prefeitura?

Tem empresas aí que nem conhece a gente, não sabem quem é o prefeito. Para o pessoal do Meio Ambiente entrar na fazenda é uma burocracia muito grande. Tem empresa multinacional que nem os donos moram aqui. Em Correntina têm diretores da empresa. Vocês não estão lidando com coisinha pequena não. É multinacional que está aqui.

Mais para cima em direção a Goiás parece…

É outro mundo. É totalmente diferente.

E com relação ao agrotóxico, que desce pela água para os lugares mais baixos. Vocês conseguem fiscalizar algo sobre os agrotóxicos?

Conseguimos, mas não é simples. Tem a legislação para ser seguida. Não tem como chegar lá e dizer “você não vai aplicar isso aqui” porque o que foi liberado estão usando. Baseado em quê vamos impedir eles.

A gente sabe que eles usam “coquetéis”, eles usam receitas…

Quando a fiscalização chega e pega, aplica multa.

Essas multas são pagas ou são revertidas em outra instância?

Nós temos uma multa da Fazenda Chapadão Alegre4, pertencente aos chineses, no valor de 18 milhões de reais. Ela foi aplicada entre 2011 e 2012. Não se pagou um centavo até hoje.

O senhor como filho de fecheiro, detentor de um cargo importante, convive com toda essa situação de que forma?

A pior coisa é você se sentir impotente. Você está em um local em que você acha que consegue fazer alguma coisa, mas não tem a força. Eu deito à noite, fico preocupado e com a sensação de incapacidade para resolver o problema. Ao mesmo tempo, tenho a consciência tranquila de que estou fazendo o que posso.

Rancho e benfeitorias foram destruídas por pistoleiros. Foto: Arquivo da Associação de Fundo e Fecho de Pasto

Em todas as conversas que tivemos com pequenos criadores, teve um homem chorando. Homens idosos, pais, avós, que são violentados, xingados, recebidos à bala…

Eu levei um grupo de pessoas para falar com a ministra de Direitos Humanos, Maria do Rosário. Eles foram relatar o que aconteceu com ele. Os caras chegaram no rancho e foram humilhados. Botaram eles para tirar a roupa, para rolar no chão. Fomos lá para Brasília, eles chegaram chorando e relataram tudo para ela. Então isso não é de hoje, A gente faz o que tem condição de fazer. Não pode ultrapassar os limites que a gente tem.

No dia 17 de outubro desse ano, eu fui para Salvador . Era uma segunda-feira. Peguei o carro e levei o fecheiroO de Arrojelândia, que nem é do meu município, é de Santa Maria da Vitória, e um representante do Destocado. Eles foram ouvidos em uma audiência. Quando terminou, a delegada pediu para que eu ficasse lá para poder tomar o depoimento deles no dia seguinte. Eu não podia ficar.

O de Arrojelândia disse que permaneceria na capital, mas o outro estava com medo. Deixei os dois em um hotel, com tudo pago. Para garantir, mandei um carro buscar, levar para a oitiva na delegacia e ir para a rodoviária. Deixei a passagem na mão de cada um, dinheiro para almoçar e jantar na estrada.

Eu fui a Salvador, bati e voltei. Quem faz isso? Saí de Correntina domingo, larguei minha família. Único dia que tenho para estar com ela. Isso as pessoas não veem. Tudo foi por minha conta porque a prefeitura não paga despesa de terceiro. Eu acompanho e convivo com o sofrimento dos fecheiros. A briga com a Planta Sete tem quantos anos? Os pequenos criadores de Arrojelândia até hoje estão brigando. Agora com a outra empresa (Agro Sete). Foram anos de briga, quando eles iam pegar a fatia deles, chegou outra empresa com outra escritura. Agora eu pergunto: quem é que faz a escritura? É o município, é a prefeitura? Não é fácil, nós estamos lidando com potência. A gente é um grãozinho.

Sua família pertencia à qual fecho?

Fecho das Bananas. Acabou. Era perto do Ribeirão, Águas Claras. Daí quando meu pai morreu, acabou tudo lá. Eu tinha 13 anos. Depois fui para o fecho do meu tio Firmino, Lavreira do Rancho.

O senhor hoje pertence a algum fecho?

Não. Eu tenho umas vaquinhas e geralmente vou aos ranchos de Nando de Turca e das Pombas. É pra cima do pessoal do Quintão. Já pousei e dormi lá.

 

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2 Cinco servidores, segundo uma fonte da prefeitura

3 A entrevista foi realizada antes das eleições

4 Na Receita Federal consta que os diretores da fazenda são os chineses Guilin Zhou e Americo Li Xiadi

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Legenda da foto principal: Maguila no ato “Ninguém vai morrer de sede ao lado do rio Arrojado”. Foto: Thomas Bauer/ H3000-CPT Bahia-Arquivo

Matéria feita por Meus Sertões em parceria com a CPT-BA

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Leia a série completa:

Pistoleiros aterrorizam fecheiros em Correntina

Estado demora a tomar providências e agrava conflitos no oeste da Bahia

Sentença e recomendações do Tribunal Permanente dos Povos (TPP)

Disputa por área preservada no cerrado se arrasta na Justiça

Pistoleiros driblam PM do Cerrado e mantêm o terror em Correntina

Torcendo para as carrancas terem mais poderes

A resistência de Maria

Catolés, o paraíso ameaçado

Pistoleiros abrem fogo contra fecheiros e ferem três

Dois atentados em um único dia em Correntina

Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.

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