“Não sou tua indiazinha
Nem tua Iracema
Não sou tua Pocahontas
Nenhuma das tuas lendas
Sou filha dessa terra
Pronta pra retomada
Se ficar de papo torto
Vai tomar uma flechada”
Essa rua é minha – Kaê Guajajara
À beira do gramado da Arena Fonte Nova, Ana Beatriz Santos Padilha, 25 anos, anima a torcida do Esporte Clube Bahia. Desde 2018 até a pandemia de covid 19 interromper as atividades do grupo, ela participou dos jogos na Arena Fonte Nova e Pituaçu. Apaixonada pelo clube desde que cruzou os 655 quilômetros de estrada que separam a terra natal, Ibotirama – palavra que na língua tupi significa “flor promissora” – e Salvador para estudar produção cultural/comunicação, na Universidade Federal da Bahia (Ufba), Ana foi eleita a Voz do Esquadrão, quatro anos depois.
Vem pessoal! Senta que eu vou contar o que aconteceu com a professora que tinha desistido de tudo porque queria dar aulas de um jeito criativo e alegre, mas não conseguia superar os obstáculos existentes.
Nascido, criado, benzido e batizado em Senhor do Bonfim (BA), Airton da Silva Almeida decidiu deixar a cidade em 2010 para trabalhar na construção de estradas pelo Brasil. No sábado passado (6/2), 11 anos depois da partida, ele estava em Ituiutaba (MG), a 1.600 quilômetros de Bonfim, quando ouviu tocar a música que marcou sua infância e adolescência, no recém-lançado podcast Calumbi:
As três primeiras publicações de Retalhos Sertanejos no Instagram traziam o logotipo, explicações sobre o projeto e uma entrevista com o geógrafo jacuipense Roniere Mota sobre os interesses políticos e econômicos que levaram à criação de estereótipos de um sertão seco e atrasado.
Não sei se foi a marca, que lembra uma colcha de retalhos, produto feito até hoje nos municípios integrantes da Bacia do Jacuípe, ou o slogan bem elaborado – “Alinhavando histórias e costurando conhecimento” -, que chamou a minha atenção.
Cada trabalho dos alunos da professora Maria Isabel Gonçalves, ganhadora do Prêmio Educadora Nota 10, é como se fosse um verso, alinhavado pelo tempo. Os vídeos, fotos e textos projetam Boninal, cidade da Chapada Diamantina, onde florescem povoados. Capão, Carrapicho, Conceição, Desempenho e o vizinho Vazante, em Seabra, orbitam a escola estadual Rui Barbosa. Das aulas de filosofia, além dos alunos, fazem partes seus avós e os antigos moradores de diferentes localidades. A experiência dos idosos é fundamental para formar um poema, escrito com base na filosofia africana ubuntu: “Eu sou porque nós somos”.
Este é o quinto capítulo da serie sobre a fascinante experiência educacional que movimentou o município entre 2019 e 2020. E ele começa com uma charada filosófica feita pelo tropeiro aposentado Getúlio Gabriel, 71 anos, morador do povoado de Desempenho:
“Será que o tempo caipira era o tempo de preferência, ou será que a preferência é o tempo atual?” – pergunta.
Ao falar sobre sua vivência nas comitivas de boiadas há 50 anos para o neto Pablo Borges, Getúlio admite que não reconhece mais as terras por onde andava, hoje divididas em fazendas:
“Se eu chegar no trajeto por onde eu passava, é capaz de eu ficar perdido, como eu tivesse no centro de uma grande cidade onde eu nunca fui”.
Em seguida, tece mais comparações e propõe uma eleição para escolher qual o melhor tempo, o passado ou a modernidade, que chama de “tempo digital”.
Os demais trabalhos dos estudantes de ensino médio de Boninal que apresentamos nesta reportagem podem ajudar a responder o enigma proposto por Getúlio. Portanto, deixaremos a resposta que ele nos dá para o final. No vídeo abaixo também é possível ouvir argumentos do veterano condutor de gado e tentar antecipar o prognóstico.
JANELAS ENFEITADAS
São as lembranças de antigamente que deixam Fidelcina Maria de Jesus, 94 anos, alegre. Morando no centro de Boninal, ela conta para o neto Ricardo Nascimento que lembra do tempo em que os moradores enfeitavam até as janelas das casas.
Outra boa lembrança é a do rio. Ainda bem que Fidelcina a guarda. Aos mais novos só resta a descrição dela, incentivando-os a mergulhos imaginários:
“Ele era grande. Só tinha areia, não tinha mato. Você via os peixinhos dentro d’água. A gente ia lavar a roupa, ia visitar, pescar. Fazia gosto entrar pra tomar banho” – conta.
Ao fim da conversa com a avó, Ricardo pergunta a receita para ser feliz. A resposta da sábia senhora não dá vantagem nem ao tempo caipira, nem ao tempo digital, válida que é para todas as épocas:
“É ter saúde. É unir com todo mundo e possuir um monte de amigos.”
conceição
Mesmo tendo uma vida super difícil Maria Jardinila de Oliveira não é capaz de dá uma resposta definitiva para seu Getúlio. Na entrevista concedida à neta Ágda Fábia de Oliveira, ela conta que na comunidade quilombola Conceição não havia água encanada, nem luz elétrica. As casas, bem pequenas, eram feitas de barro. Relata ainda muita dificuldade para conseguir dinheiro. Para isto, precisava vender o que a roça fornecia: alho, feijão, arroz e cana. O restante dos mantimentos dependia do lucro da feira.
A educação era precária. Havia um único professor, Sulino Viana, no pequeno grupo escolar com paredes de adobe. Quando ele morreu, foi substituído pela sobrinha. A pouca estrutura e a não obrigatoriedade de ensino, limitava – e muito – a quantidade de alunos. A idosa conta que ela passou pouco tempo na escola.
Em um ano de estiagem, os quilombolas começaram a se mudar. A situação piorou e até quem não queria foi forçado a sair. A opção de permanecer implicava em passar necessidade.
Quando tudo parecia apontar para a preferência dos tempos atuais, Maria Jardilina fala da solidariedade dos vizinhos, da construção de casas em mutirão, da alegria de ir à feira e conclui que as dificuldades não impediram que ela fosse feliz.
Karlane Macedo Pereira fez as fotos da comunidade que ilustram o trabalho da colega.
Carrapicho
Os alunos Vítor, Kailane Macedo, Beatriz, Rodrigo, Dhônatas fizeram a pesquisa do trabalho, cujo tema foi “As filosofias de minha avó: poetizando memórias para afirmar direitos”, no povoado de Carrapicho, em Boninal. Na conclusão, trouxeram um componente importante para o esclarecimento da charada de seu Getúlio: o conhecimento acumulado pelos mais velhos.
Kailane entrevistou a avó Delza e foi aconselhada a seguir pela estrada certa, aproveitando os momentos de felicidade ao lado da família. Já tia Eunice contou que ajudou os pais na roça e trabalhou em garimpo para sustentar os filhos. Ressaltou que todos na família são honestos e acrescentou que os jovens não querem mais casar cedo, nem ter muitos filhos. Segundo ela, preferem progredir primeiro.
Os jovens concluem que a pesquisa fez com que todos conhecessem um pouco mais sobre a vida das avós, incluindo sonhos e esperanças de um mundo melhor, alegrias e sofrimentos. Dizem que passaram a ver o lugar onde moram com o olhar de quem conhece “de tudo um pouco” e ouviram histórias deixadas para as gerações seguintes.
“Aprendemos coisas extraordinárias. Se pudéssemos ao menos compartilhar com o mundo, tudo aquilo que elas [as avós] sabem, temos a certeza, que a riqueza do conhecimento seria espalhada. As avós deveriam ser eternas, pois assim o nosso conhecimento também seria, com elas podemos dizer que a vida tem sim um verdadeiro sentido.” – atestam.
vazante
Em busca de memórias deixadas para trás, o secundarista Renan Gabriel, criado em São Paulo, voltou à comunidade de seus avós. Além de descobrir que os tios avós Júlio (falecido) e Jaime Cupertino são referências em toda região devido ao esforço empreendido pelo reconhecimento da terra e da comunidade, ele fotografou casas e objetos que atravessaram os tempos.
E escreveu: “O início de tudo é a luta, hoje travada para que a Vazante continue de pé. Ela mostra a garra e a força desse povo em uma região pouco afastada, sem (…) necessidades básicas e essenciais, como água e luz”.
Ou seja, Renan descobriu que a luta em defesa de direitos, principalmente de negros, quilombolas e dos mais carentes, continua em qualquer tempo.
O POEMA
A aluna Eline Oliveira dos Santos entrevistou dona Felicina Alves dos Santos, a Licinha, 79 anos, moradora mais antiga do povoado de Capão, em Boninal. A idade não impede a entrevistada de continuar trabalhando na roça e de participar há mais de três décadas do reisado São Sebastião, da qual fala com imensa alegria, conforme podemos ver no vídeo acima.
Lembram que falei que os trabalhos escolares de filosofia formavam versos? Pois bem, Eline transformou o seu em um belo poema, finalista do concurso Temas de Artes Literárias (TAL), organizado pela secretaria estadual de Educação. Sua obra emocionou a turma no dia da apresentação dos relatos sobre a filosofia dos avós.
Eline constata que seus avós “não precisavam de muita coisa para ser feliz”. Reconhece que novas tecnologias trouxeram melhorias para quem não tinha muito o que comer, se vestir e enfrentava dificuldades para se locomover por falta de meios de transporte.
Ressaltando ser “bonito de se ver as histórias que o povo conta” e a garra do povo quilombola ao superar obstáculos dificílimos, a estudante conclui que é preciso homenagear e respeitar a nação negra. Quanto ao tempo presente e passado, ela diz no poema que não dá para comparar.
Antiguidade e Evolução
Eline Oliveira dos Santos
Venho falar sobre a antiguidade do povoado de Capão, Relatando como era a sua situação O povo era humilde e não tinha ostentação, Mas tinha alegria, e amor pelo sertão!
Não tinha tanto o que vestir, nem muito o que comer, Era difícil até automóvel para se locomover! Mas com passar do tempo, a tecnologia avançou, e tudo mudou! Mas é bonito de se ver, a história que o povo conta não dá para esquecer!
Apesar das dificuldades de muitos, não se pode reclamar, Pois a convivência de antes com a de hoje não dá para comparar! Hoje o nordestino tá alegre, pois há o que comer Já se vê a felicidade de uma mãe ao ver o seu filho crescer.
O povo do quilombo também tem história pra contar, Seguia a tradição sem instrumentos pra tocar. Como disse no começo, a tecnologia avançou, O povo do quilombo até foi pra Salvador.
Em todo lugar, o povo levou a tradição Juntamente com Cutia Mulungu e Conceição. Pare e pense, vamos imaginar: o que o povo do quilombo veio nos ensinar? Em homenagem à nação negra, temos que respeitar!
Não importa se eu sou contra, e você é a favor, Todos somos iguais, o que muda é só a cor. Apesar do preconceito que lhe causa desconforto e cansaço. Alcançaram a admiração, conquistaram seu espaço!
A resposta de Getúlio
Você chegou a alguma conclusão sobre qual é o mundo da preferência? O ex-tropeiro, como se usasse uma balança para pesar coisas boas e ruins, finalmente profere seu veredito:
“Se houver uma eleição pra votar entre o mundo caipira e o mundo presente, eu votarei no mundo presente. Mesmo com esse mundo cheio de violência e doenças estranhas, que ninguém nunca viu nem falar. Mas também existe a medicina que se desenvolve dia a dia em busca de cortar todos os males. Então, eu tô com o mundo atual.”
“É difícil resumir se é igrejinha ou presépio. Eu acho que é os dois. A Igrejinha do Presépio ou a Igrejinha de Deus Menino” – Juliana Porto, 21 anos, bisneta de Leobino
Os agricultores familiares e pequenos criadores de animais em comunidades de fundo e fecho de pasto Ivete Ribeiro de Lunas, 54 anos, Elenilton Alves Bonfim, 53 e Gildásio Félix Bonfim, 51, saíram das comunidades de Muquém, Poço Fundo e São João, bem cedo para participar de uma reunião para a qual não tinham sido convidados. Antônio Batista de Souza Filho, o Toinho, suplente de diretor do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Itaguaçu da Bahia, acompanhou o grupo.
Samuel Santos Oliveira chegou ao último ano do ensino médio do Colégio Estadual Rui Barbosa, em Boninal (BA), com a pecha de aluno desinteressado. Ele admite que nunca foi um aluno exemplar: conversava muito em sala de aula e atrapalhava os professores. Tinha implicância por não conseguir fixar a atenção nas coisas que não o interessavam, como os temas da filosofia e de outras matérias. No entanto, seu comportamento mudou meses antes de ele se formar.
“Nem sempre a morte semeada e cultivada pelos que colocam no centro o lucro e seus interesses se manifesta abrupta, como nas Minas Gerais, mas muitas vezes vem em conta-gotas, aos poucos, gerando não menos dor e indignação”
A notícia de que a professora Maria Isabel Gonçalves, 33 anos, do Colégio Estadual Rui Barbosa, em Boninal, no sertão baiano, estava entre os vencedores do prêmio Educador Nota 10, começou a se espalhar em julho deste ano. A única representante baiana selecionada entre 3.761 participantes do concurso nacional foi a responsável pelo desenvolvimento do projeto “As filosofias de minha avó: poetizando memórias para afirmar direitos”, adotado para todas as turmas do primeiro ao terceiro ano do ensino médio.
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