“A Igreja perdeu o caminho da periferia”

Essa foi a síntese do plenarinho de fé e política. Governos federal e estadual também foram criticados pelos participantes

A plenária Fé e Política, no segundo dia da Romaria da Terra e das Águas, teve como tema “Por Igrejas em Saída na Defesa da Vida”, movimento defendido pelo Papa Francisco em favor da Igreja Libertadora da América Latina, que enfrenta restrições da ala dogmática do catolicismo. O debate mostrou a insatisfação popular com os governos federal e estadual e a atuação de religiosos que se afastaram das lutas em favor dos oprimidos.

O plenarinho teve início com a parte mística e homenagem à Irmã Miriam Inês Bersh, gaúcha com atuação em favor de quilombolas em Rio das Rãs, Santa Maria da Vitória, e do povo guatemalteco.

O principal orador foi o professor de teologia cearense Rafael Gomes da Silva. Ele fez uma reflexão do papel da Igreja de Saída no atual cenário. Citou a última visita do papa ao Brasil, na qual ele disse que era preciso colocar água no feijão, revelando colaboração e comunhão com os caminheiros.

Disse ainda que a frase está relacionada ao ato de servir, de estar presente na vida do outro, da capacidade de agir, sem aceitar a opressão. Convidou a todos a agirem em comunidade para modificar o cenário atual.

Hoje um panorama de morte grassa sobre nós. Exatamente quando a interpretação sobre o serviço e vir a ser estão sendo confundidos. Muitas vezes fica a ideia de pura obediência. Uma ação sem fé, sem expectativa do bem comum. Portanto, esvaziada a noção de política, que atualmente está voltada para os poderosos, sem povo e sem chão.

Assim, o povo não questiona a propriedade privada, a apropriação das terras e da água, os latifúndios. Segundo, Rafael, nesse ambiente brotam os aproveitadores eleitorais.

“Após sequestrar a política, a comunidade não sente estimulada a enfrentá-los. Hoje há quatro milhões de pessoas desalentadas, 125 milhões enfrentam algum tipo de insegurança alimentar, 33 milhões estão jogadas na fome. Isto acontece num país que se orgulha de ser maior exportador de alimentos do mundo” – frisou.

O professor questionou onde está nossa fé e qual o papel da igreja para garantir vida. Em seguida, respondeu:

“É preciso recuperar o papel da igreja como povo de Deus. Nossa passividade não cabe na mesa da comunhão, diz o papa na Laudato Si. O bispo de Roma nos aponta que precisamos ser uma igreja pobre para os pobres”.

Nas palavras do Papa Francisco, de acordo com o professor, ele fala da necessidade de a igreja ter pouco, acumular pouco, para não perder o pobre no horizonte. Qual tipo de sociedade queremos, senão uma comunidade que não passe fome?  Essa comunidade é incentivada a sair dessa situação. Daí a necessidade da Igreja em Saída, com as portas abertas, pronta para ir em direção ao povo, identificando os caídos políticos e identificando os pobres.

“Essa ação está enraizada na responsabilidade, no sentido de dar uma resposta à possibilidade dada ao coletivo de mudar o curso da história. Vir a ser contra todo tipo de opressão, aquilo que tira a terra dos índios, ao desemprego, principalmente das mulheres negras. A sociedade é capaz de criticar o aborto, mas não se preocupa com o estupro, expostos à pobreza perversa” – relata o orador.

Rafael finalizou sua apresentação acrescentando que a mudança exige um longo caminho, que passa passar por outubro desse ano, quando inspirados por São Francisco de Assis, precisamos ser igreja crítica e entender o nosso papel na política.

“Se não hoje, quando virá a mudança? Se não aqui, onde? Se não nós, quem será a Igreja em Saída do mundo? Precisamos recuperar as palavras de Gustavo Gutierrez, expoente da Teologia da Libertação: “Nós precisamos ser a perigosa memória das lutas, precisamos saber sonhar, pois nada coloca mais horror do que saber sonhar até que a justiça seja feita” – concluiu.

DOIS DE JULHO

A mística do plenarinho Fé e Política

A mediadora do debate, Maria José Pacheco, a Zezé, representante da Comissão Pastoral dos Pescadores (CPP), lembrou que hoje é o dia 2 de Julho, data que comemora os 199 anos de Independência do Brasil na Bahia. Uma revolta popular, liderada indígenas, negros ainda escravizados, brancos pobres e vaqueiros. Nós vamos fazer uma nova eleição através das eleições.

Em seguida, a palavra foi passada para os participantes do plenário, que ressaltaram a importância da votação contra os atuais ocupantes do governo federal e os integrantes do Centrão, aliados. Outra pessoa que não se identificou criticou a perda da força de atuação das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), em Bom Jesus da Lapa. “Não basta eleger Lula, tem que cobrar ações em favor do povo”, concluiu o mesmo orador.

Marlene, do Movimento dos Atingidos por Barragens, contou experiência pessoal de sofrer retaliação por parte de um padre por ser candidata a vereadora. Teles Maranhão, do movimento Sul Brasil, perguntou como a gente pode colocar água no feijão em uma sociedade misógina, racista, violenta? Como construir uma sociedade justa para acabar de vez com tudo isso?

“Não existe governo honesto, voltado para o trabalhador e para o meio-ambiente”. Ela citou    o governador Rui Costa, petista, como exemplo da destruição ambiental, concedendo licenciamento para empreendimentos que poluem, desmatam e atingem comunidades tradicionais. A oradora se apresentou como geógrafa e representante de Vitória da Conquista.

“Devermos eleger Lula, mas devemos fazer luta para mudar o Brasil”, disse Joana Louback, de Teófilo Otoni (MG), candidata de um coletivo de mulheres a deputado federal. Ela também contou a história de um padre, defensor da agroecologia, que foi comunicar sua candidatura e ouviu que não tinha chance nenhuma de se eleger.

Na vez seguinte, a indígena Toakne Pankararu lamentou a destruição dos rios e a importância de não deixar a fé no Criador ser pisoteada. Ela denunciou que o povo indígena seu povo está sendo massacrado pelo Estado.

A professora Nilza, ex-vereadora e presidente da Associação dos Docentes da Universidade Estadual da Bahia, criticou o governador Rui Costa pelo descaso dele com os funcionários públicos. No entanto, ressaltou que é preciso eleger Lula presidente e modificar a composição do Congresso.

Antônio Júnior, do CPP do Baixo Sul, citou o extermínio de pessoas negras. Disse que o PT tem que assumir o compromisso de evitar essa matança e conter a destruição do meio ambiente.

“E preciso dizer a Lula que não vamos aceitar o que foi feito de errado. Temos que eleger o maior número de mulheres, negras e periféricas. Não dá para ficar calado como deixamos de 2002 e 2014. Se ele não fizer, nós fazemos” – disse.

Padres negros criticaram os “ouros da Igreja”, a troca do nome das CEBs por Comunidades Missionárias, a invasão das mineradoras na Bahia, principalmente na região de Caetité, e defenderam a luta dos religiosos ao lado do povo.

Maria das Graças, a Nina, do Clube de Mães de Catulé, da paróquia do Sagrado Coração de Jesus, referendou tudo o que foi dito e elogiou o que foi dito pelo padre Bruno.

Retomando a palavra na parte final do plenarinho, o professor Rafael Gomes da Silva sintetizou as falas do público:

“A igreja perdeu o caminho da periferia. Isso foi um projeto. A Igreja comemora as vitórias da Teologia da Libertação e do Concílio Vaticano II, mas tenta resistir a tudo isso”.

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Cobertura feita em parceria com a CPT-BA

 

Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.

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