Escola troca nome de vítima da ditadura

Paulo Oliveira

Nome já foi apagado do muro. Foto: Paulo Oliveira

A escolha da Escola Professora Edivanda Maria Teixeira como o primeiro colégio a receber o modelo cívico-militar do governo baiano, em Vitória da Conquista, provocou reação de familiares e de dirigentes da fundação que leva o nome da educadora. Eles pleitearam que outra unidade fosse escolhida ou que o nome do estabelecimento de ensino fosse trocado. Um abaixo-assinado virtual com 1.391 assinaturas foi encaminhado à secretaria municipal de educação (Semed). Conquista é o primeiro município a implantar o método após o período mais acentuado da pandemia de covid-19.

Para entender a rejeição é preciso conhecer a história da militante. Integrante de uma rica e tradicional família conquistense, ela se formou em pedagogia e fez a opção de se dedicar ao ensino de pessoas pobres, através do Movimento de Educação de Base (MEB). Esse sistema de alfabetização, criado por padres italianos que atuavam no semiárido baiano, era transmitido através de emissoras de rádio das dioceses.

Edivanda Teixeira. Reprodução

A pedagoga preparava as aulas que eram transmitidas para a zona rural e bairros periféricos da cidade. Nestes locais, havia monitores que tiravam dúvidas e escreviam as lições em quadros improvisados, iluminados à luz de candeeiros. Após 1964, o MEB foi abolido pela ditadura civil-militar.

A professora também ajudou a organizar as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), lutando a favor de posseiros expulsos por fazendeiros do polo cafeeiro de Vitória da Conquista. Em 1976, ela tornou-se redatora e organizadora do jornal “Vai e Vem”, no qual eram divulgadas as resoluções das 22 CEBs, que discutiam o papel dos sindicatos, debatiam a situação dos boias-frias e lutavam em favor dos posseiros da Fazenda Pau Brasil, localizada entre Barra do Choça e Conquista.

Segundo Daniel Piccoli, secretário executivo da Fundação Conquistense Edivanda Maria Teixeira (Fucemate), a educadora foi perseguida pelo regime autoritário. Na mesma época, o irmão dela, Elenaldo, foi preso e torturado.

Em 1978, durante a celebração de uma missa na fazenda Pau Brasil, local de violentos conflitos entre jagunços de fazendeiros e posseiros, a professora teve um infarto. Uma semana depois de ter alta, morreu. A militante também inspirou padres, como o sergipano José Vasconcelos dos Santos, a buscarem justiça social e nunca desistirem da opção pelos menos favorecidos –  https://meussertoes.com.br/2018/04/26/7862/ .

Portanto, quando o prefeito Guilherme Menezes decidiu construir a escola no Jardim Valéria, em 1999, não houve dúvidas em sugerir o nome de Edivanda. A construção foi aprovada por milhares de pessoas que participaram de uma assembleia para discutir o orçamento participativo.

A notícia de que o educandário municipal seria transformado em escola militarizada começou a circular em setembro do ano passado e pegou de surpresa a família da professora e a direção da Fucemate. Não houve consulta da prefeitura nem do comando da Polícia Militar.

Petição para troca do nome da escola. Reprodução

“Quando soubemos da notícia, pedimos uma audiência com o secretário de educação e ele nos disse que a solicitação de parceria com a PM tinha sido feita há tempos. Acrescentou que a escolha da escola levou em consideração os índices de criminalidade, incluindo assassinatos e ameaças a estudantes e funcionários, e que a comunidade tinha aprovado a implantação do sistema” – disse Piccoli.

Diante disso, a fundação e a família Teixeira se manifestaram contrários ao método militarizado, argumentando que o sistema de ensino militar serviria para desfazer a memória da professora, caluniada e desrespeitada pela ditadura. O grupo fez, então, a petição para o nome de Edivanda fosse destinado a outro estabelecimento de ensino.

O secretário Edgar Larry Andrade Soares, 60 anos, anunciou que a tendência é trocar a denominação. O nome já foi apagado do muro da escola. O presidente da associação de moradores do bairro, Lau Eduardo Pereira, 62 anos, sugere que o educandário passe a se chamar Jardim Valéria e a creche do bairro seja rebatizada para homenagear a educadora.

A mudança de denominação tem precedente no estado. Em 2014, o governo estadual substituiu o nome do colégio Emílio Garrastazu Médici, presidente de um dos períodos mais tenebrosos da ditadura militar. Após pedido de alunos, pais, professores e diretores da unidade, a escola soteropolitana passou a se chamar Carlos Marighella, militante do Partido Comunista Brasileiro e guerrilheiro morto em uma emboscada. Na época, o governador Jaques Wagner (PT) considerou uma justa homenagem a “um homem que lutou pela democracia”.

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Esta série de reportagens foi financiada pelo Edital de Jornalismo de Educação, uma iniciativa da Jeduca e do Itaú Social.

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Leia a série completa

PARTE I

A militarização das escolas na bahia O avanço para o interior O exemplo goiano Diferentes escolas militares e militarizadas

PARTE II

A elitização da primeira escola militarizada A história do Colégio Maria do Carmo Mães aprovam modelo CPM, filhos nem tantoFundamental I e ensino médio na mira

PARTE III

Conceição do Jacuípe: boletim expõe alunos O regulamento e a cartilha Muita fé e só uma mulher entre 466 tutores Tutor disciplinar barra aluna negra

PARTE IV

Mais unidades da PM do que infraestrutura Entre a esperança e o bafo da milícia Inquérito 1.14.001.001281

PARTE V – FINAL

Miriam Fábia: “Impacto brutal na formação dos jovens”Major Fabiana: ‘Disciplina como ferramenta para a vida’O governador emudeceuDepoimentos de ex-alunos do CPM

 

Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.

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