As sete ilhas

Capítulo 5:  A arte de enlamear os sapatos

Leonardo Lima e Luísa Carvalho

O sol já ia bem alto quando terminamos de conversar com o professor Iremar e o ambientalista Marquinhos. Depois de uma manhã rememorando as diversas agressões que a comunidade deles tem sofrido, os dois estavam cansados, abatidos. E nós também. Mas como os dias de apuração em Correntina seriam poucos, não tínhamos tempo para repousar.

Era longa a lista do que fazer: almoçar, captar sons na beira do rio, espairecer um pouco, e nos preparar para a próxima entrevista que, já imaginávamos, seria tão longa quanto a anterior. Felizmente, encontramos um jeito de fazer tudo isso ao mesmo tempo?

Como? Na verdade, onde. Nas Sete Ilhas.

Antes, preciso fazer algumas apresentações. Sou Luísa, parceira de Léo nessa aventura e, hoje, eu que vou conduzir a história. E adoro conduzir histórias! Preciso confessar que enquanto estávamos em Correntina eu me sentia um pouco anfitriã, meio guia, apresentando um tiquinho do distante oeste da Bahia pra meu amigo que sempre morou na muvuca do sul do estado.

Meu pai e eu resolvemos levar Leo a um dos cartões postais da cidade. O lugar é um “arquipélago” em que sete pontos banhados pelo rio Correntina se interligam, daí o nome Sete Ilhas. Cada “ilha” tem um nome e peculiaridades. Tem a Ilha dos Casais, a dos Namorados, das Flores, a dos Pássaros, tem a das Crianças, a da Melhor Idade e a Ilha da Pesada.

Em algumas o rio corre mais forte e é mais fundo, em outras a passagem da água é quase um córrego. Umas ficam mais próximas dos bares e restaurantes e costumam estar sempre cheias, se tornam o “point” para amigos e familiares se reunirem nos fins de semana. Já outras, mais distantes da movimentação, são ótimas para quem prefere privacidade. São divididas por pontes.

O SOM DO RIO
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Foi nas Sete Ilhas que apresentei pra Leo a Bacia do Corrente, na forma do rio que dá nome à cidade, o Correntina. Queríamos muito ter a experiência de estar em algum rio do município, sentir o cheiro da terra molhada e água correndo na mão.

Apesar de a reportagem em áudio nos permitir não ser tão fiéis a todos esses elementos – poderíamos tranquilamente usar um som do You Tube que remetesse à correnteza de um rio qualquer – queríamos muito usar nosso próprio material de externas gravadas na cidade. O ouvinte tinha que ouvir o barulho da água de lá mesmo. Então, nos colocamos atentos, com microfone em mãos, perambulando pra cima e pra baixo pra captar tudo: passos, sons de animal, de gente, do vento e qualquer produto da serendipidade que surgisse.

No início, foi até meio glamoroso. Jornalismo é a arte de sujar os sapatos e os pés e estávamos enlameando os nossos na beira do rio indo atrás desses pequenos detalhes para enriquecer a nossa narrativa.

Mas, como em toda boa história, tivemos problemas. Vale lembrar que a captação era feita com dois microfones de lapela comprados numa lojinha de eletrônicos em Santana ao valor de 20 reais cada. Não estávamos nas condições mais profissionais e a maioria dos áudios saíram horríveis. O som da água do rio batendo nas pedras e formando ondinhas – uma coisa linda de se ver – mais parecia a descarga de um vaso. O canto dos pássaros que voavam por perto se confundia aos gritos de divertimento ou de birra de crianças.

Para captarmos sons de qualidade, foi preciso fazer vários malabarismos. Conseguimos alguns poucos áudios bons, mas suficientes pra acrescentar na reportagem. Apesar dos pesares, tivemos êxito na missão de fazer nosso ouvinte ouvir o som do rio de Correntina.

Almoçamos moqueca de peixe pra comemorar.

–*–*–

Um episódio que acompanhou nossa estadia em Correntina foram os incêndios que começaram no fim de tarde do dia anterior na cidade. Foi muito fogo. A comunidade se mobilizou pra combater, incluindo alguns membros de uma associação da zona rural que iríamos entrevistar. Tivemos que desmarcar a conversa logo cedo. O céu ainda estava meio encoberto por causa da fumaça, mas não entendíamos muito a proporção do fogo. Até um amigo do meu pai que encontramos por acaso nas Sete Ilhas nos contar.

Um dia antes, ele voltava de Brasília e já chegando em Correntina avistou a fumaça. Pelo desenho da estrada, não dava pra saber a gravidade do incêndio, então, sem nenhuma orientação, resolveu seguir viagem. Mal sabia que o fogo tinha começado há pouco e abrangia uma área muito maior do que ele podia imaginar. Quanto mais ele avançava mais fogo tinha na pista. A fumaça cobria o carro. Ele se viu encoberto numa nuvem de poeira e fuligem que parecia não ter fim. Acelerava e sentia que mais fogo esperava a frente. Não soube precisar por quanto tempo esteve assim.

“Pareceu uma eternidade” – disse.

BASTIDORES DA REPORTAGEM

Capítulos I e II Capítulo III Capítulo IV Capítulo VI Capítulo VII Perfis dos autores Guerra da água

Luisa Carvalho Contributor

Entre o mar e o sertão. Luísa nasceu em Salvador e se mudou para Santana, no extremo oeste da Bahia, aos dois anos. Desde então, se divide entre as duas cidades e tenta aprender com o melhor delas. Sempre gostou de ser especialista em generalidades, o que tornou fácil a escolha por cursar jornalismo, na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Aprendeu a ler com os gibis da Turma da Mônica e, desse momento em diante, se tornou uma exímia traça de livros. Lê de tudo, até bula de remédio. Mas tem uma preferência especial pela escrita de Lygia Fagundes Telles, João Guimarães Rosa e Gabriel Garcia Marquez.  Já teve experiências em redação, rádio, agência de assessoria de imprensa, faz ‘frila’ de vez em quando e pretende ir testando suas habilidades por aí em diferentes áreas. Em 2021, com o amigo Leonardo Lima, venceu a 13ª edição do Prêmio Jovem Jornalista, do Instituto Vladimir Herzog, onde investigou como o agronegócio está secando os rios no oeste da Bahia.

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