Fábrica de mel quilombola pode ser desativada

O município de Jeremoabo é o segundo maior produtor de mel da Bahia. Dados de 2019, disponíveis pelo IBGE, mostram que o município comercializou 474 toneladas do produto e arrecadou R$ 2,8 milhões. Só os 46 abelheiros ligados à Associação dos Agricultores e Familiares Remanescentes de Quilombolas das comunidades Baixa da Lagoa, Olhos D’Água e Quelés produziram 9,5 toneladas, no ano passado. A criação de abelhas é hoje a principal atividade econômica dessas localidades.

Em 2011 (*), a comunidade foi agraciada com uma unidade de beneficiamento de mel pelo projeto Gente de Valor, parceria do Banco Mundial e do governo estadual, realizada pela Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional (CAR). A proposta, que incluía a entrega de viveiros, caixa de abelhas e uma série de equipamentos visava o desenvolvimento dos criatórios de abelhas italianas (menos agressivas e mais produtivas que as demais) e a melhoria de renda dos descendentes de quilombolas. O investimento no projeto foi de aproximadamente R$ 200 mil.

Unidade beneficiamento de mel está desativada há cinco anos por falta de gerador que o governo do estado não instala. A comunidade produz 9,5 mil litros de mel por ano. Foto: Paulo Oliveira
Unidade foi construída com empréstimo do Banco Mundial. Foto: Paulo Oliveira

Embora batizada com o nome de “Quilombos e Felicidades” a unidade deu poucas alegrias para os trabalhadores. Ela está paralisada há cerca de quatro anos, segundo o líder comunitário José Romildo, devido a um curto-circuito no transformador de energia.

A esperança da aquisição de um novo dispositivo e a reativação da fábrica, onde a qualidade do produto é melhorada e se pode produzir cera, foi reavivada após a associação comunitária ser contemplada em novo edital do governo estadual/CAR, que visa a inclusão produtiva e o acesso a mercados.

A primeira parcela da verba – R$ 72 mil –  foi liberada sem problemas e utilizada para comprar para a contratação de um agente comunitário rural (ACR) para dar assessoramento técnico aos produtores e apoiar a gestão das associações, de um consultor para fazer o projeto de instalação e para a compra de uma moto, computador e armário para ser utilizado pelo ACR.

Tudo ia bem até o restante da quantia que seria utilizado para a aquisição do transformador ser bloqueado. De acordo com Romildo, há risco de a unidade ser desativada definitivamente. O presidente da associação explica que na época da construção da fábrica, o estado aceitou a apresentação de um recibo manuscrito emitido pelo ex-proprietário do terreno em nome da entidade como prova da negociação. Ainda segundo José Romildo, agora a CAR está exigindo um documento registrado em cartório para liberar a segunda parcela do dinheiro.

“O vendedor se chamava João Cardoso dos Santos. Ele era conhecido como João Quelé por ser descendente do primeiro morador daqui. Ele morreu e os filhos se mudaram da Baixa. Não temos como localizá-los. No documento que nos passou na década de 1990, ele também não incluiu o número do CPF, o que também é exigido para registro em cartório. Por que não exigiram o registro quando a unidade foi construída?” – questiona.

Apicultor da Baixa do Quelé. Reprodução
Apicultor da Baixa do Quelé. Reprodução

A comunidade tentou resolver a situação, pedindo ajuda à Coelba, concessionária de energia elétrica. Recebeu como resposta que a empresa não pode dar manutenção no transformador porque ele é particular, pertencente à associação. O conselho do funcionário da empresa foi que acionassem o governo estadual.

Romildo procurou o escritório regional do CAR, em Ribeira do Pombal, onde o funcionário João Paulo Pereira dos Santos disse que nada pode ser feito apenas com a apresentação do recibo de compra do terreno.

“Se tem algo errado, a culpa é do estado que não devia ter construído a unidade com base na documentação que hoje ele contesta. A gente está pensando em entrar com uma ação contra o governo se não conseguirmos resolver a questão no diálogo” – cogita o líder comunitário.

O repórter de Meus Sertões entrou em contato com a assessoria de imprensa do CAR e encaminhou um questionário com nove perguntas sobre os motivos para a não liberação da verba que reativaria a fábrica, também conhecida como Casa do Mel, no dia 19 de abril.

A coordenadora de comunicação do CAR, Sílvia Costa, se comprometeu a esclarecer a questão até esta quarta-feira (21/4). Segundo ela, o prometido não foi cumprido por ser feriado. Sílvia pediu que o prazo fosse estendido por 24 horas (22/4), mas só enviou a resposta para quatro das nove perguntas feitas na noite do dia 27/4, oito dias, seis horas e vinte um minutos depois da primeira consulta.

Para acessar as informações prestadas pela CAR, clique aqui.

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Esta reportagem foi atualizada no dia 28 de abril, com base em informações prestadas pela CAR, que esclareceu o ano de instalação da unidade (2011) em vez de 2015, como foi informado pela associação.

Os valores corretos dos editais para reativação da fábrica também foram alterados. A liderança comunitária informou que a primeira parcela era de aproximadamente R$ 50 mil. No entanto, a CAR disse que foram repassados R$ R$ 72.758,47.

 

Terra cobiçada Um passeio pela Baixa dos Quelés Estado tenta corrigir erro

Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.

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