Os idosos do abrigo Domus Christi – capítulo III

O Domus Christi (Lar de Deus) é o abrigo da Fundação Terra, criado pelo padre Airton Freire. Localizada próximo à casa onde o religioso morou na antiga rua do Lixão, a instituição atende até 26 idosos, cujas famílias abandonaram ou não têm recursos para mantê-los. Há também casos de pessoas com idade avançada que não possuem mais parentes.

A carioca Diva Lopes Rodrigues é uma das internas do abrigo. Foto: Severino Silva
A carioca Diva Lopes Rodrigues é uma das internas do abrigo. Foto: Severino Silva

A carioca Diva Lopes Rodrigues, 78 anos, é uma das internas. Ela foi morar em Arcoverde, mas o filho casou e mudou, deixando-a. Há dois anos, ela e a mãe de 91 anos estão no abrigo, que define como “diferente”:

“No Rio de Janeiro, um lugar que é a metade desse tem 30 pessoas. Lá, uma pessoa bate na outra, arranca o olho da outra. Um aparece agredido, outro se enforca e ninguém dá conta do que houve. Aqui tem a coordenadora, dona Assunção, um anjo que supervisiona tudo. Se alguém levar um escorregão, ela quer saber o motivo. No Rio, onde minha mãe ficou internada, costumam misturar homens e mulheres e acontecer agressões” – conta.

O tratamento de saúde oferecido pelo Domus Christi é acima da média, de acordo com Diva. Ela recebe atendimento médico e odontológico frequentemente. Na época da visita de Meus Sertões/Projeto Headline estava prevista a colocação de aparelho nos dentes na interna.

“O trabalho de padre Airton é muito grande. Minha mãe hoje está bem, graças a ele” – diz Diva.

A artesã ressalta a liberdade que possui para trabalhar e produzir bolsas de macramê e objetos de papelão, vendidas ou doados por ela.

Já o poeta José Cosme de Lima, chamado de Zé Galego da Toada ou Seu Cosme, 68 anos, sofreu muito antes de conseguir uma vaga no abrigo. Quando chegou, trazia consigo problemas de circulação e pressão, dentes estragados e uma longa história de maltratos.

O poeta e cantador José Cosme de Lima, o Zé Galego, era maltratado pela ex-mulher. Foto: Paulo Oliveira
O poeta José Cosme, o Zé Galego, era maltratado pela ex-mulher. Foto: Paulo Oliveira

O drama de Zé Galego, apelido ganho por conta da pele muito clara e dos olhos azuis como o céu. A mulher foi sua primeira namorada e ele achou que daria certo porque ela não bebia, não fumava e não gostava de farra. Os dois se conheceram em Pesqueira, a 43 quilômetros de Arcoverde, e moraram juntos por seis anos. Em 1994, ao sair do fórum onde se casou no civil, o drama do poeta começou. Grávida, a companheira, dois anos mais nova, o abandonou.

“Fiquei só em uma casa velha e passei a beber muita cachaça. Tive dois AVCs e arriei em uma cama. Quando me aposentei como agricultor aos 60 anos, ela pegou meus documentos e ficou como minha procuradora, fazendo empréstimos. Gastou quatro mil contos na festa de formatura de nossa filha, que nunca me viu ou falou comigo porque a mãe não deixava. Construiu uma casa. Tudo com empréstimos feitos no meu cartão” –  conta.

Um primo de Zé, chamado João, vendo o estado lamentável em que ele se encontrava, o levou para um abrigo em Pesqueira. Quando estava um pouco melhor, o poeta se deu conta que estava em um “eito de velhos”. Trinta e dois deles dormiam em colchões, em um corredor, uns por cima dos outros. Ele pediu para o primo tirá-lo de lá.

Ao voltar para casa, segundo relato depois confirmado pela polícia, a mulher se apoderou dos documentos de Zé Galego e passou a mantê-lo trancado com grades e cadeado na porta. A denúncia chegou ao delegado da cidade, que obteve ordem judicial para resgatá-lo.

O poeta lembra com exatidão a data em que foi levado para o Domus Christi: 9 de outubro de 2014.  Ele não tinha forças para segurar uma colher e se alimentar. A comida e os remédios eram dados na boca. Ele não conseguia ficar em pé, as pernas e as mãos tremiam. Hoje, diz que pegou força e considera estar no paraíso. De vez em quando visita o primo em Pesqueira, pois dona Assunção dá o dinheiro da passagem. Em homenagem ao abrigo e as “pessoas maravilhosas” que encontrou ali improvisa uma toada.

“Deus proteja a doutora/ Fazendo a fisioterapia/ Eu admiro as palmeiras/ Que a natureza cria/ E o barulho das máquinas/ Que tem na lavandeira/ Esse abrigo da gente/ Toda hora Deus conduz/ Eu peço desculpa pelos meus pecados/ Deus acenda a grande luz/ Que esse abrigo da gente/ Tem proteção de Jesus.”

Zé Galego homenageia a antiga fábrica peixe

 

 

LEIA A SÉRIE COMPLETA

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Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.

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