Cosme e Damião

Ibitiara é um município da Chapada Diamantina com população estimada de 16.403 pessoas pelo IBGE, em 2020. Sessenta por cento dos habitantes vivem na zona rural do município, cuja área é 2,7 vezes maior do que Salvador, de onde está distante 550 quilômetros ou oito horas de viagem. Seu primeiro nome foi Remédios porque os desbravadores do século XVIII (18) acreditavam que as águas que nasciam em suas nascentes tinham qualidades terapêuticas.

Pois bem, o local foi emancipado e passou a se chamar Remédios de Rio de Contas. Com a descoberta de ouro no Arraial de Bom Sucesso, a sede do município mudou-se para lá e a cidade foi rebatizada como Bom Sucesso. Ocorre que ela não tinha recursos para se manter, sendo incorporada a Macaúbas.

Em 1934 volta a se emancipar, e troca seu nome, nove anos depois para Ibitiara, nome indígena que significa “terra do ouro”. Localizada a 900 metros de altitude tem uma temperatura diferente do Baixio. Ontem, por exemplo, estava fazendo 34 graus centígrados na sede e 43 nas localidades da região baixa. É numa dessas localidades, na Lagoa do Meio, que ocorre a novena que culmina com festa de São Cosme e São Damião, que acompanhamos ontem.

O caruru de Cosme e Damião é realizado há 49 anos, em Lagoa do Meio, povoado de Ibitiara. Foto: Adônis Mato
O caruru de Cosme e Damião é realizado há 49 anos, em Lagoa do Meio. Foto: Adônis Matos

A tradição começou há 49 anos, criada por Francisca Alves e José Antônio Guimarães, pais de Vera Lúcia, 56, que hoje comanda o evento. A novena acontece entre os dias 18 e 26 de setembro; a procissão, dia 27, data dedicada aos santos católicos, padroeiros dos médicos e das crianças. As religiões afro-brasileiras também celebram os ibejis, divindades gêmeas infantis, no mesmo dia.

A comemoração na Lagoa do Meio atrai pouco mais de uma centena de pessoas ao povoado onde residem oito famílias. Ela começa com Vera Lúcia oferecendo caruru para sete meninos e cerca de 150 convidados, número um pouco maior do que o costume por ser ano eleitoral. Sempre acompanhada de “dois anjinhos”, este ano representado por dois de seus netos, Vera conta que desde o início.

Quando termina a comilança – o caruru tem um gosto diferente do que é servido em Salvador, julgo ser a inclusão de algo que identifico como espinafre (depois fui alertado que poderia ser taioba)– é hora da procissão. Uma hora da tarde, sol a pino e o grupo sai em passo acelerado, o que obriga Vera a pedir para caminhem mais lentamente.

“Procissão é para ir devagar” – repete várias vezes enquanto dá uma volta no distrito, entoando cânticos e rezas. Reparo que há grupos com diferentes interesses: o primeiro no aspecto religioso; o segundo no goró e na diversão que ainda está por vir; e o terceiro em tudo.

O retorno para a casa da família Guimarães não significa fim de festa. Na prática, muitas coisas ocorrem. Vem a parte de canto de Reis para Cosme e Damião, mais algumas rezas e a oferta de dinheiro para os santos. Embora haja empresários entre dos convidados, a maior doação é de R$ 5.

Depois disso, inicia a diversão. É a hora do leilão. A princípio são oferecidos produtos comprados previamente com a finalidade de serem leiloados. Bebidas alcoólicas, por exemplo. De repente surgem duas galinhas, uma delas batizada pelos participantes de Mariana. Elas foram arrematadas por 25 e 30 reais, respectivamente. Um refrigerante de dois litros é vendido por R$ 8, quase o mesmo que um banco de madeira de qualidade (R$ 10). O pregão comunitário prossegue: biscoito creme cracker, melancia ….

O povo cai na gargalhada quando um rapaz oferece um leitão preto para ser leiloado. Durante a oferta dos lances, o bicho tenta escapar, mas um de seus pés está amarrado com barbante. Os lances sobem rapidamente. Um comerciante paga R$ 140 pelo animal e dá de presente para a organizadora da festa.

Outra tradição durante os festejos é soltar fogos, o que quase acaba mal. A fagulha de um rojão atingiu o mato seco e provocou incêndio. O vento levou o fogo em direção a casa de Vera e provocou muita fumaça. Alguns baldes de água debelaram as chamas. A fumaceira dissipou. Se tivesse ventando em direção contrária, seria atingida a caatinga.

As atenções voltaram para a festa. O samba substituiu o leilão, sem hora para acabar.

Adonis Matos Contributor

Adônis Matos é jornalista formado pela Universidade Federal do Recôncavo Bahia e concluiu o master em Comunicação, na Universidad Complutense de Madrid. Apaixonado por futebol e história, escreveu o livro-reportagem “Ypiranga 110 anos de história – A trajetória do time mais querido da Bahia”. É tricolor fanático.

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