As “boiadas” – Editorial

Quando a fala do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, durante reunião ministerial no dia 22 de abril foi divulgada, houve forte reação. Salles disse que a pandemia de Covid 19 era o momento ideal para passar reformas infralegais, de simplificação e desregulamentação de leis ambientais e convocou outros ministros “para ir passando a boiada, ir mudando todo o regramento”, aproveitando que as atenções da imprensa e da sociedade estavam voltadas para o novo coronavírus. Na ocasião, o Brasil acumulava 45 mil casos e quase três mil mortos.

Os senadores Fabiano Contarato (Rede-ES) e o ex-governador da Bahia Jaques Wagner (PT), por exemplo, pediram que a Procuradoria-Geral da República (PGR) investigasse o ministro e o afastasse do governo. Os dois líderes da Comissão de Meio Ambiente do Senado também pediram para que Salles fosse denunciado por crime de responsabilidade e por agir em defesa de interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário público (artigo 321 do Código Penal).

Esta semana, o site Meus Sertões publicou reportagem mostrando que os moradores das comunidades ribeirinhas de Sento-Sé, no entorno da Serra da Bicuda, foram surpreendidos com a notícia que o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), órgão estadual, concedeu licença para a mineradora anglo-australiana Colomi Iron se instalar na região. O licenciamento foi concedido durante período agudo da pandemia, quando 413 dos 417 municípios baianos registravam casos confirmados da doença, além de óbitos em mais da metade deles.

Procuradas para explicar os critérios para aprovação de um empreendimento cujo risco ambiental é classificado como 5 em uma escala que vai até 6 e sobre a apresentação ou não de estudo de impacto, além de outras questões, as assessorias de imprensa do Inema, da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Econômico (SDE) e do governo do Estado pediram dois dias para dar as respostas. Depois disseram que as explicações seriam concentradas em nota da Secretaria de Comunicação do Governo do Estado (Secom). Por fim, pediram um prazo até o dia seguinte, o que até hoje não foi cumprido.

Vale lembrar que o governador do estado, Rui Costa dos Santos (PT), sucedeu a Jacques Wagner, o senador que se indignou com a desfaçatez de Ricardo Salles. A SDE é comandada pelo vice-governador João Felipe de Sousa Leão (PP), ex-empreiteiro e ardoroso defensor de obras faraônicas – a Ponte Salvador-Itaparica, que está no papel desde 1960 é uma delas – e de empreendimentos minerários.

Durante o governo de Wagner, de quem foi secretário de Infraestrutura, Leão chegou fazer pilhéria quando as obras da Ferrovia de Integração Oeste Leste (Fiol) foram interrompidas devido à exigência do Ibama de preservar um conjunto de cavernas onde se encontravam animais e insetos ainda não catalogados, que poderiam servir para o desenvolvimento de medicamentos contra várias doenças. O político repetia que a obra parou por causa de uma “perereca rosa”, com direito a duplo sentido.

Márcia Cristina Telles de Araújo Lima, diretora-geral do Inema, defende a celeridade e transparência da gestão pública ambiental, conforme consta na página de notícias do site do órgão. Na prática, porém, não respondeu aos líderes das comunidades ribeirinhas de Sento-Sé, os questionamentos feitos sobre o empreendimento que destruirá a Serra da Bicuda e causará impactos ambientais na região.

No âmbito municipal, o silêncio e a falta de transparência também fazem parte do repertório da prefeita Ana Luiza Rodrigues da Silva Passos (PSD), candidata à reeleição em coligação que reúne mais três partidos – PT, Republicanos e PRTB.  Quando os moradores de 11 comunidades da zona rural, que vivem em uma faixa de terra entre a serra e o rio São Francisco, para onde foram removidos durante a construção da Barragem de Sobradinho, em 1976, pediram para que ela tomasse providências em defesa deles, não ouviram nada de concreto.

Para jornalistas, a assessoria de Ana disse que tudo era muito recente e que a chefe do executivo municipal ainda não sabia de nada. No entanto, em apresentação feita para atrair investidores, a mineradora deixou claro que a prefeita cedeu o uso de solo para o empreendimento desde 2017.

Estes episódios deixam claro que há várias formas de deixar uma “boiada” passar. E a Bahia tem um jeito próprio de fazer isto.

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Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.

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