Dan, o cineasta

O pequeno Dan andava pela casa com uma câmera feita de caixa de papelão. Filmava tudo que a imaginação permitia. Se o equipamento desmanchasse, fazia outro. Nos meses de janeiro, quando o grupo de reisado do bairro Tiracolo visitava o terreiro de candomblé vizinho, ouvia os cânticos e corria à porta. Acabou gravando na memória as cenas que a máquina de brinquedo não registrava.


Danilo Victor Ferreira de Oliveira, 25 anos, filho de mãe pernambucana e pai baiano. Publicitário, trabalha em uma agência de Araci (BA), onde prefere fazer anúncios que contam a história de alguém para oferecer subliminarmente um produto.

As campanhas dos gênios da propaganda João Santana e Duda Mendonça, antes do envolvimento deles em escândalos de lavagem de dinheiro e remessa ilegal de divisas, e os filmes de Glauber Rocha e Salomon Ligthelm servem de inspiração para Dan Victor.

Duda, Santana e Glauber são baianos. Os três têm conexões com Araci. O primeiro foi responsável pela propaganda eleitoral de Maria Edneide Torres Silva Pinho, a Nenca, candidata a prefeita, em 1999. A estratégia e o mote “Agora é Nenca”, usados para vencer a eleição no sertão, foi repetido na vitoriosa trajetória de Luís Inácio Lula da Silva à presidência da República.

O trabalho com políticos também fez Dan se interessar pela produção de João Santana. Outro fator foi a proximidade, mais precisamente 48 quilômetros de distância. Santana nasceu em Tucano, município ao qual Araci, ainda distrito, pertenceu.

Glauber Rocha, expoente do cinema novo, trabalhou com o professor e ator araciense Anatólio de Oliveira no curta “Cruz na Praça”, considerado o primeiro filme brasileiro a abordar a questão do homossexualismo. Do mestre, exalta a forma como valorizava a cultura e o Nordeste.

Somente Salomon Lightelm é estrangeiro. O australiano, radicado em Nova Iorque (Estados Unidos), é  referência mundial no estilo narrativo de storytelling:

“Temos perspectivas semelhantes: ênfase aos detalhes e em histórias inspiradoras de pessoas. Salomon valoriza a direção de fotografia, a arte da câmera” – resume.

Inspirado nos baianos e nas técnicas do australiano, Dan Victor fez o vídeo “Vaqueiros” para uma candidata à deputada estadual. Nele, apenas boiadeiros dão depoimentos sobre a política, cujo nome aparece no alto do vídeo de vez em quando.

Dan se formou em publicidade na Faculdade Anísio Teixeira, em Feira de Santana. Hoje, é aluno especial (ouvinte) do mestrado em cultura e interatividade, na Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs). Paralelamente à publicidade, produz documentários autorais sensíveis e inovadores.

A chance de materializar o filme que pretendia fazer desde criança surgiu a partir do desafio lançado, em 2019, pelo site Musicbed.com, especializado em licenciamento de música para filmes. Com base no princípio de restrições criativas – limitações podem despertar algo em nosso cérebro para acelerar e enfrentar dificuldades -, foi criado concurso de produção cinematográfica.

A premiação total para os vencedores era de 80 mil dólares – 30 mil em dinheiro e 50 mil em equipamentos. As exigências consistiam em restrição de categorias, uso de músicas dos artistas do elenco da Musicbed na trilha sonora e curto período de tempo para a realização (um mês).

Dan fez tudo em três dias. Ele contou com a ajuda do patrão, Valmir Barreto, com quem dividiu a direção, e o apoio de Beto Curador, dono de uma casa de ervas, que doou 200 reais para as despesas de transporte.

“Filmamos no sábado, editei no domingo e finalizei na segunda-feira. No dia seguinte, no fim do prazo, inscrevi. Havia dois tipos de votação: a popular e a do júri. Fizemos campanha em rádio e nas redes sociais. De 40 filmes – o nosso era o único brasileiro – a gente ficou em quarto lugar. É um número bom. Além disso, conseguimos mostrar para o pessoal de Araci a importância de preservar a tradição” – avalia.

Para fazer o documentário de seis minutos, foi usada uma lente dos anos 1980 e um filtro para dar visual “vintage” com o objetivo de reviver o sentimento nostálgico dos espectadores. Uma das características de Dan é buscar tratamento visual diferenciado para cada filme.

O reisado do bairro Tiracolo tem o nome oficial de Nossa Senhora da Conceição. Ele o Boi Vermelho foram os únicos que restaram na cidade. A maior parte dos integrantes são idosos, cuja diversão está em percorrer as ruas e povoados em janeiro, cantando e dançando. As crianças preferem o boi e a burrinha que os acompanham. Os jovens mangam dos componentes.

Dan constatou que duas coisas estão acabando com as tradições na cidade: o envelhecimento dos moradores e a religião. Ele lembra que ao fazer uma filmagem de um senhor que lembrava do “boi roubado”, mutirão feito de surpresa para ajudar agricultores e criadores de animais em troca de comida, bebida, cantoria e dança, ouviu o seguinte depoimento de uma senhorinha:

“Eu não canto mais porque agora sou de igreja evangélica” – diz.

“Fogaréu”, documentário sobre a tradicional procissão da Semana Santa, e “Agreste”, ficção, são outros filmes do jovem cineasta. O segundo é de longe o recordista de visualizações no canal de You Tube da Calango Filmes. O curta conta a história do relacionamento abusivo de um casal de bandidos.

Realizado em parceria com o também diretor Vinícius Rios e a atriz Júlia Lorrana, ambos de Feira de Santana, o curta consumiu R$ 800 e teve como locações os povoados de Tingui e Serra Branca, em Araci. Embora haja pedidos para a continuação da história, a falta de patrocínio impede que isto ocorra.

Com experiência nas funções de roteirista, cinegrafista, diretor e direção de fotografia, Dan Victor foi convidado para participar de um longa-metragem, financiado pela Uneb. Isso, no entanto, não o desvia de projetos pessoais, incluindo a criação de um cineclube e um documentário sobre a pandemia de Covid-19.

Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.

follow me
Compartilhe esta publicação:
Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp
Email

19 respostas

  1. Parabéns Paulo Oliveira, muito legal essa abordagem das proezas do Danilo Victor, sem dúvidas ele é um artista nato, menino de um carisma incrível e muito inteligente, que pena nosso pais ocupar tão pouco espaço no mundo da cultura e nossos artistas não crescerem por falta de incentivo. Sucesso pra ele…

  2. Sem palavras lendo tudo isso e saber que foi meu sobrinho Danilo que desde pequeno fazia ums filme e eu assisti e pensava esse menino vai longe como se diz aqui no nordeste só tenho orgulho de ser sua tia e amar você que é meu orgulho parabens que Deus continue te abençoando bjs vitória para todos vocês

  3. Uma honra ter um cineasta tão jovem e a participação tb de outros jovens da nossa cidade na criação de arte e cultura. Uma esperança de que “nem tudo está perdido”! Essa veia artística criadora de sentidos presente no resgaste ou reafirmação das tradições de um povo ressignifica e enobrece a história e o embelezamento dos dias atuais. Parabéns, meninos e meninas…Adorei ver Gustavo encenando!!! Parabéns, DAN, (VC É) O CINESTA!

      1. Como é bom vê um jovem se dedicar desde criança em fazer filmagens e hoje adulto concretizando esse sonho. Parabéns pela atitude e a coragem em resgatar principalmente nossas raízes.

  4. Sou conterrânea do rapaz Dan. Sei o quanto sonha para q seu sonho torne realidade, ele realmente é incrível, talentoso e tem muito é q voar mesmo! Voa menino Dan, seu povo araciense torce por vc!

  5. Parabéns pra esse jovem humilde e batalhador q foi em busca dos seus sonhos mesmo diante de todas as dificuldades encontradas. Muitas vitórias viram pq vc é merecedor de todo apoio e patrocínio. Muito orgulho de vc meu sobrinho afilhado Dan Victor. Gratidão a ti Senhor

  6. Por ser caçador de memórias as obras de Danilo me inspiram. Como professor e historiador utilizo seu material como fonte para o estudo de identidades, historia, memória e esquecimento. Tanto com crianças e adolescentes, como em formação com professores “Reisado” está sempre em meu repertório. Parabéns Danilo, continue levando o nome de nosso Araci/Sertão por meio de suas lentes. Abraço.

    1. A utilização de documentários e outras linguagens em sala de aula permite o aumento do interesse dos estudantes e facilitam a fixação do conteúdo didática. Portanto, tanto Dan, autor de Reisado, quanto o senhor estão de parabéns. Grato pelo contato.

      Equipe Meus Sertões

  7. Parabéns para esse “menino” inteligente que vi crescer, sempre que ia visitar a minha amiga, Terezinha, a sua mãe, ele estava com os olhos vidrados na TV, rsrs… imaginava até o que se passava pela cabeça dele. Meu querido, te desejo toda felicidade do mundo e que Jesus te ilumine e te dê muita sabedoria nessa sua caminhada, sinto-me orgulhosa por você.

  8. Danilo Victor é um jovem araciense muito talentoso. Merece ter reconhecimento pelo belo trabalho que faz. Ele é um orgulho para a nossa cidade e, com certeza, irá muito longe.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Sites parceiros
Destaques