O impacto da Covid-19 nos ritos da Semana Santa

“Sede em meu favor, Deus Onipotente.
Vinde socorrer-me, sede diligente.”
Trecho do ofício da Paixão

Tradicionalmente lotada no Domingo de Ramos, primeiro dia da Semana Santa, apenas nove pessoas, todas com funções litúrgicas, participaram da missa este ano, na Igreja Matriz do Sagrado Coração de Jesus, em Ichu, cidade sertaneja a 187 quilômetros de Salvador, capital da Bahia.

Desde que o prefeito Carlos Santiago de Almeida (PHS) decretou, no dia 16 de março, o cancelamento ou adiamento de eventos que reunissem mais de 50 pessoas, os eventos religiosos foram suspensos, cancelados ou substituídos por outras atividades.

A forma encontrada pelo padre Gildvan de Oliveira para manter os fiéis unidos foi intensificar as transmissões ao vivo das missas e rezas pelo Facebook da paróquia e pela rádio comunitária Independente FM. O site Ichu Notícias é outro canal que transmite as mensagens religiosas.

Família Carneiro de Almeida e padre Gildvan durante o Ofício da Paixão. Reprodução
Família Carneiro de Almeida e padre Gildvan durante o Ofício da Paixão. Reprodução

Na segunda-feira (6/4), a tradicional Missa dos Enfermos, geralmente muito concorrida, foi substituída pelo Ofício da Paixão, que é rezado/entoado às quartas e sextas-feiras, durante a maior parte da Quaresma, e às quartas, quintas e sextas-feiras da Semana Santa.  Esta celebração tem um significado muito especial para a família Carneiro de Almeida, que há mais de um século é devota ao Ofício.

O ministro extraordinário da Sagrada Comunhão Edcarlos Almeida conta que a devoção iniciou com o seu bisavô Antônio Pio Carneiro, sem que a família saiba o motivo. Certo dia, Antônio, que sofria de problemas cardíacos, foi encontrado morto perto da casa da fazenda Aleluia. Como era a tradição, os familiares colocaram uma cruz santa no local. A devoção foi mantida pela filha de Antônio, Inês Carneiro de Almeida.

Além das rezas nos dias designados ao Ofício também foi criado um outro evento: a caminhada do centro da cidade até a fazenda Canavial, pertencente a outro ramo dos Carneiro de Almeida. O percurso é feito a partir das cinco horas da manhã. E culmina com a prece no alto do morro, próximo à propriedade.

Com a pandemia até o rito particular sofreu alteração. O horário das rezas da Quaresma foi antecipado das 19 horas para às 17h30, visando evitar aglomerações. Participam seis familiares. A presença de amigos e vizinhos não foi permitida desta vez.

Conhecedor da fé da família Carneiro de Almeida, o padre Gildvan convidou-os para rezar o ofício na Igreja Matriz. Seis pessoas, além do religioso e do técnico de gravação, participaram da cerimônia. Na live do Facebook, que durou 40 minutos, 80 pessoas acompanharam o rito. Durante a cerimônia, o padre ressaltou que o “sangue de Jesus e as chagas dele podem curar o mundo enfermo”.

OUTRAS MUDANÇAS

Em anos anteriores, os ichuenses rezavam o terço ou o Ofício da Paixão, na Igreja Matriz. Isto porque na Diocese de Serrinha, da qual Ichu faz parte, era realizada a Missa dos Santos Óleos. Nesta cerimônia são preparados os óleos da crisma, do batismo e da unção dos enfermos. Por conta do isolamento, o Vaticano determinou o adiamento da missa, sem data marcada. A celebração envolve representantes de pelo menos 20 cidades, que levam os óleos para as paróquias de origem.  Enquanto isso, os ichuenses acompanharão pelas redes sociais e pela rádio, o ato litúrgico da Via Sacra.

Igreja Matriz do Coração de Jesus, em Ichu, durante a Segunda-feira Santa. Foto: Edcarlos Almeida
Igreja Matriz do Coração de Jesus, em Ichu, na Segunda-feira Santa. Foto: Edcarlos Almeida

As procissões do Encontro, na qual homens carregam a imagem do Senhor dos Passos e as mulheres, Nossa Senhora das Dores, por caminhos diferentes até se depararem em um ponto específico da cidade; a do Fogaréu, que ocorre enquanto algumas fiéis adoram a eucaristia fora da igreja – único dia do ano em que o templo fica sem a hóstia sagrada; e a do Senhor Morto foram canceladas.

Estão mantidas as celebrações das Dores de Maria, na quarta-feira; a Missa da Ceia do Senhor, na quinta; a celebração da Paixão de Cristo, na sexta; a Vigília Pascal, no sábado; e a Missa da Ressureição, no domingo, estão mantidas.  Todas as cerimônias terão o mínimo possível de fiéis, inclusive com pessoas fazendo duas ou três funções litúrgicas para evitar aglomerações. Toda a programação será transmitida pelo Facebook, pela rádio comunitária e pelo site Ichu Notícias.

Quanto ao Covid-19, a cidade registrou um caso suspeito, segundo o decreto municipal que declarou estado de calamidade pública no município, no dia 3 de abril.

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Edcarlos Almeida é co-autor da reportagem. Ele cedeu as fotos e deu informações importantes sobre os rituais da Igreja Católica durante a Semana Santa. Muito obrigado, parceiro!

Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.

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