Os sertanejos

MEUS SERTÕES UNIVERSIDADE - PERSONAGENS II

HISTÓRIAS DE UM SERTÃO INFINITO

Por Camila Gabrielle

Cinco de janeiro de 2018, por volta das 16h. O sol ainda forte, sem muitas nuvens no céu. Uma brisa nos levou até Solange Santos, nossa primeira personagem, moradora no povoado de Barreiro Comprido, em Itabi (SE).

No caminho, alguns animais no pasto descansavam, as roupas no varal balançavam com o vento, e as casas, que ficam em espaços bem distantes umas das outras, davam a sensação de calmaria.

Solange em seu quintal. Foto: Camila Gabrielle
Solange em seu quintal. Foto: Camila Gabrielle

Cheguei a uma casa com várias plantas na frente e flores. Fomos recebidos por Solange e seu marido, Ricardo. A história deles foi contada na reportagem Sertania, publicada em Meus Sertões no dia 10 de outubro (para ler,  clique no link https://meussertoes.com.br/2018/10/10/vida-no-campo/ ) .

Agora, vocês conhecerão os outros personagens do documentário “O sertão entre a flor e os espinhos”, que faz parte do meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), na Universidade Estadual Paulista (Unesp – Bauru).

CONVIVÊNCIA COM A SECA

 Ao retornamos a Itabi, visitamos Aldo Mota. Ele mora em um sítio com alguns cachorros- que são sua atual companhia.  Ele é secretário municipal adjunto de agricultura e meio ambiente. Seu trabalho envolve questões como a gestão e destinação dos resíduos sólidos feita pelo consórcio na região do Baixo São Francisco, que abriga 28 municípios sergipanos.

Aldo: ensino fez o sertão evoluir. Foto: Camila Gabrielle
Aldo: “O sertão evoluiu”. Foto: Camila Gabrielle

Aldo nasceu e se criou no município. A mãe, Adelba Mota de Santana, hoje com 83 anos, ainda moradora de Itabi, é professora aposentada. O pai, Pedro José de Santana, hoje falecido, era agricultor. O casal gerou dez filhos. Durante o dia, Aldo e os irmãos trabalhavam na roça. À noite, iam para escola. Seu Pedro deixou um legado muito importante:

“Crescemos nos dedicando ao estudo e ao trabalho” – conta.

Para o secretário, a família rural obtém recursos por meio de trabalho árduo no campo, já que os pequenos produtores precisam cuidar da terra para colher os próprios alimentos.

Aldo Mota explicou que muitas pessoas pensam que existe uma solução para a seca no Nordeste, mas na verdade é necessário buscar alternativas através de técnicas de convivência.

Os avanços tecnológicos foram fundamentais para se aprender a lidar com a seca. Água encanada; energia elétrica; cisternas para armazenar água da chuva, construção de barragens, inclusive subterrâneas, nas propriedades; melhoramento genético dos animais e plantas são alguns exemplos.

“Isto garante mais conforto e tranquilidade às famílias. O motor elétrico permite acesso à terra mais facilitado. Isto garante a sobrevivência dos agricultores familiares”, diz Aldo.

Vale ressaltar, porém, que ainda há dependência de carros-pipa.

A VASTIDÃO DO SERTÃO

A caminho do povoado de Mão Esquerda, 40 minutos adentro pelo sertão de Itabi, onde mora o casal Valdete Ferreira e João Francisco Filho, fiquei atenta ao cenário. A terra batida, com mandacarus e palmas pelo caminho, e as diversas entradas que nos levariam a tantos outros destinos me fizeram perceber o quão grande é o sertão, mesmo no menor estado do país.

O casal Valdete e João, no povoado Mão Esquerda, em Itabi. Foto: Camila Gabrielle
Valdete e João. Foto: Camila Gabrielle

João e Valdete estão casados há 46 anos e têm cinco filhos. Sempre viveram da “roça”. Para eles, sinônimo de criação de gado, produção de queijo, criação de galinhas e ovelhas. O marido cria 30 vacas e vende 100 litros de leite por dia aos vizinhos, fabricantes de queijo artesanal.

Seu João trabalha com a retirada mecanizada de leite há dois anos e tem um funcionário, chamado Masxuel que o ajuda nas atividades. O empregado é da capital Aracaju, mas estava desempregado e encontrou esta oportunidade de renda no sertão. Durante o período de chuva, eles armazenam ração, a base de milho, para o gado.

Às 6h, Valdete prepara o café da manhã reforçado – cuscuz, leite, ovo, carne e suco. Depois cuida das atividades domésticas, dá comida às galinhas e a um papagaio. De vez em quando participa de retiros da igreja. Ela nos conta que antigamente, quando não havia água encanada, caminhava um quilômetro para pegar o líquido  usado para atividades domésticas. Para ela, a vida do sertanejo não é fácil, mas o importante é ter fé e permanecer no seu lugar, na seca ou na chuva, com “confiança no nosso Deus”.

“No período da seca temos que ter esperança, não podemos desanimar” – explica.

O casal reduz os impactos da seca, armazenando água. Atualmente, eles têm três cisternas. João investiu nelas para não enfrentar as dificuldades vivenciadas na infância, quando o pai, montado em burro ou cavalo, percorria 30 quilômetros para buscar água no rio São Francisco, no município de Gararu.

O gado de João. Foto: Camila Gabrielle
O gado de João. Foto: Camila Gabrielle

A timidez de Valdete e João termina quando começam a falar dos netos, que sempre visitam a casa dos avós:

“Eles montam no cavalo, correm atrás dos bezerros, galinhas. Um dia desses um chegou aqui e disse: vô, eu já sei! Vou ser seu vaqueiro” – revela João, orgulhoso.

Chega a hora da despedida.

SEGUIDORES DE CANUDOS DE MELANCIA

Sigo viagem, desta vez para a casa de Valciro Elias de Resende. Ele e mais 10 famílias estão assentados em uma fazenda, no povoado de Melancia-, referência à Serra da Melancia. No entanto, devido à história de luta e de pertencimento ao Movimento Sem-Terra – MST, o grupo rebatizou o lugar para “Seguidores de Canudos de Melancia”.

Canudos foi o arraial criado por Antônio Conselheiro, na Bahia, e que reuniu 25 mil sertanejos insatisfeitos com a grave crise econômica e social da região, historicamente marcada pela presença de latifúndios improdutivos, desemprego crônico, falta de leis e desmandos dos “coronéis”. Acusados de serem monarquistas pelos fazendeiros, insatisfeitos com a perda de mão de obra barata, a Corte enviou o Exército para atacar o grupo. O conflito, que terminou com o massacre dos conselheiristas após quatro expedições do Exército enviadas pelo governo federal, ocorreu entre 1896 e 1897.

Valciro no assentamento Seguidores de Canudos.
Valciro no assentamento. Foto: Camila Gabrielle

Nascido no povoado de Jaramataia, em Gararu, o agricultor é casado. Há 12 anos mora com a mulher e dois dos seus seis filhos no assentamento. A família ainda não tem água encanada. Eles retiram água da cisterna, que é abastecida quinzenalmente.

Antes da construção do reservatório, Valciro precisava se deslocar entre quatro e cinco quilômetros para buscar água. Atualmente, sustenta sua família com a produção de mel, criação de galinhas, pesca no riacho mais próximo, além de plantar seu próprio alimento. Seu desejo é ver seus filhos crescerem no sertão e trabalharem na própria terra.

O agricultor também faz um apelo para que os políticos voltem a atenção às pessoas mais pobres. Segundo ele, é necessário ter mais investimentos para a população de baixa renda. Atualmente, diz, só há crédito e benefícios relevantes para a “burguesia”.

Os personagens dessas histórias têm em comum a vontade de permanecer no lugar onde nasceram e lutar por condições melhores de vida. Eles fazem parte de um povo acolhedor e corajoso que precisa de investimento, atenção e respeito por parte dos governantes e da população do Sul do país.  E estão retratados no documentário “O sertão entre a flor e os espinhos”, cujo lançamento ocorrerá no final deste ano.

MATÉRIAS E FOTOS Produzidas POR CAMILA

Identidade nordestina O convite Sertania Itabi Trailer do DOC Galeria de fotos Pré-estreia de 'Entre a flor e o espinho'

Camila Gabrielle Contributor

Camila Gabrielle nasceu em Salvador (BA) e foi criada em Aracaju (SE). Jornalista, ex-assessora de imprensa da prefeitura de Bauru (SP), é autora do documentário “O sertão entre a flor e o espinho”.

Compartilhe esta publicação:
Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp
Email

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Sites parceiros
Destaques