A ‘celveja’

SOTAQUE DE UM POVO NAS BARRANCAS DO VELHO CHICO

Nas minhas andanças a serviço da Educação, tive a oportunidade de ouvir diálogos, com sabor natural da nossa terrinha. Viajando de Xique-Xique ao povoado de Utinga, na carroceria de D20 – carro que substituiu as “rurais” nos areões do tabuleiro -, tive o privilégio de ouvir prosas gostosa como esta:

“Êta estradinha ruim essa da Utinga. Tá assuntano. Tem que andar subrileve. Se açulerar atola, se atolar entra até o semi-eixo. O tabuleiro é falso, engana qualquer um. Aqui o motorista tem que ter munheca, e o passageiro, se não sustentar, cai…”

“Silvano, eu não vejo a hora de chegar em Xique-Xique pra beber uma água friinha da lejadeira.”

“A celveja lá também é fria…”

“Muié oi, eu só vou neste Xique-Xique porque é obrigado.”

“Eu também só vou uma vez no mês pra tirar o dinheiro do cartão e fazer a feira.”

“Este povo quando chega lá parece que chegou no céu, acampa naqueles bloco do cais e enche o rabo de celveja.”

“Muié, você me deixa! Eu não sei o que esse povo acha nesta tal celveja. A bicha já cai no copo barbuiano, quando a gente bebe já sente o amargo na boca, ela desce rasgano, depois fica freveno dentro do estombo. Eu tenho é visto, viu… Tem deles que ainda é uma falta de educação pra beber: pede logo aquelas garrafona de um lito.”

“Hum, hum, hum! Já chegam é gritano’me dá um litrão aí’.”

“Um dia eu com uma sede tão grande no mundo, inventei de tomar um veneno desse. Mar muié que que disgraça foi aquilo, bebi uns quatro copo antes do de-cumê, veio logo um arroto, parecia que tava saindo fogo das ventas, friviano. Eu disse, isto é que é ser, viu. O diacho é que vai ficar aqui, mas não eu. Ajeitei minhas coisas pro mode eu ir. Subir pra riba da carroceria deste carro e disse: gente vamo simbora… Quando este carro pegou a estrada. Mar mulé! Me deu uma tontura. Eu via os pés-de -pau correno mais que o carro. Eu disse: valeime minha Nossa Senhora! É mal assombro. Ainda bem que este carro chegou ligeiro, porque quando eu desci, sa cambaleando, parecendo uma cobra mal matada.”

COISAS DE XIQUE-XIQUE NA BAHIA

–*–*–

DICIONÁRIO BEIRADEIRO

Açulerar – Acelerar
Friviano –
Efervescendo, fervendo, borbulhando.
Subrileve –
Levemente, por cima, calmamente

 

Arilson B. da Costa Contributor

Arilson Borges da Costa ,nasceu em 22 de fevereiro de 1970, em Xique-Xique – BA. Filho de sorveteiro e neto de pescador, é professor. Estudou contabilidade na escola pública de Xique-Xique, Bahia, porém em 2008 abandonou a área de exatas e passou a estudar letras vernáculas, na Universidade Estadual da Bahia (UNEB). Ao longo de sua vida acompanhou pescadores às margens do rio São Francisco, no intuito de entender o sotaque do povo ribeirinho, por isso migrou seu trabalho para escrita de contos e causos do povo.

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