Durim e o cego

João Durim tinha um bom gênio e era sempre muito prestativo para quem lhe pedisse qualquer tipo de ajuda ou favor. Entre os favores se incluía o preparo e encaminhamento da papelada para consulta médica, casamento, batizado, aposentadoria, bã-bã-bã-caixa de fosco. Acrescente-se a isso o fato de emprestar a casa como hospedagem para pescadores, lavradores vindos da zona rural. Para tudo isso contava com o apoio, a solidariedade e a cumplicidade da esposa Angélica.

Certa feita, hospedara em sua casa Neném, um senhor cego. O hóspede chegou manhãzinha, antes do sol raiar. Tomou café, comeu cuscuz de puba com matrinxã assada. Após o banquete, aguardou o amigo João Durim preparar seus papéis.

Dera meio-dia, e Angélica, após preparar o ambiente para o almoço, forrando o chão da cozinha com uma esteira, convidou o cego Neném para o almoço.

Em um movimento bem lento, o velho senta na esteira, segurando um cabo de vassoura que lhe servia de bengala. Angélica serve um prato cheio de caldo de curimatá com jerimum caboclo e farinha pubada (azeda).

De repente, uma galinha se aproxima bem devagarinho. Seu Neném, muito ladino, como quem não quer nada, acertou o cabo da vassoura na cabeça da galinha. Foi aquele redevu, um grande alvoroço, uma gritaria danada que juntou gente na porta.

João Durim, interrompeu o larido, gritando:

“Ô, Angélica. O que diabo foi isso?”

“Foi seu Neném que rumou o cabo de vassoura na cabeça da galinha.”

“E essa desgraça num disse que é cego?”

Seu Neném assustado respondeu sem pestanejar:

“Não, seu João… Agora eu já estou divulgando algumas coisas.”

COISAS DE XIQUE-XIQUE NA BAHIA

–*–*–

DICIONÁRIO BEIRADEIRO

Redevu – Confusaõ, barulho, algazarra

Bã, bã, caixa de fosco (fósforo) – Várias coisas fora da ordem

Divulgando – Enxergando com pouca precisão , vendo vultos.

Arilson B. da Costa Contributor

Arilson Borges da Costa ,nasceu em 22 de fevereiro de 1970, em Xique-Xique – BA. Filho de sorveteiro e neto de pescador, é professor. Estudou contabilidade na escola pública de Xique-Xique, Bahia, porém em 2008 abandonou a área de exatas e passou a estudar letras vernáculas, na Universidade Estadual da Bahia (UNEB). Ao longo de sua vida acompanhou pescadores às margens do rio São Francisco, no intuito de entender o sotaque do povo ribeirinho, por isso migrou seu trabalho para escrita de contos e causos do povo.

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