Sertão pernambucano

O pernambucano Elias Rodrigues de Oliveira, 58 anos, decidiu se dedicar as suas duas paixões – aprender inglês e fotografar – depois que se aposentou como profissional de Tecnologia da Informação especializado em desenvolvimento de sistemas para a internet.

Resolveu fazer um intercâmbio de seis meses na Irlanda e começou a fazer vídeos sobre sua experiência no exterior para o canal “Para Maiores de 50”, criado por ele. Percebeu que, às vezes, não conseguia filmar determinadas coisas, mas a fotografia não falhava. Até então só fazia fotos do aniversário do filho e de eventos familiares.

Ao voltar para Recife, se matriculou nos cursos de inglês e de fotografia no Senac. Na primeira semana, abandonou o curso de língua inglesa. Na terceira, comprou o corpo de uma Canon 70D e uma lente Sigma 24×70. Daí por diante, sua vida mudou.

Outra descoberta ocorreu quando assistiu a uma palestra do fotógrafo Araquém Alcântara, um dos profissionais mais respeitados da atualidade, no evento Recife Image.

“A última frase que ele disse foi a seguinte: ‘Não pecam tempo buscando coisas longe de vocês. Procurem pesquisar a cultura de vocês, procure a fotografia dentro do quintal de vocês. Vocês têm o sertão todinho para desbravar. Vocês têm Vale do Catimbau, têm tantas coisas no quintal de vocês. É só pegar um carro e ir ali’.  Decidi procurar o que estava querendo no sertão” – conta.

Em novembro de 2017, Elias passou 10 dias no sertão do Pajeú, região que engloba 17 cidades, sendo Afogados da Ingazeira e Serra Talhada as principais. Nesse período, percorreu todos os municípios, produziu quatro documentários e duas mil fotografias, sendo 700 consideradas úteis. Publicou esse trabalho em seu site e no Instagram em quatro partes:  “Caminhos do Sertão”, “À Beira da Estrada”, “O Sertão do Abandono” e “Tabira: o Curral do Gado”.

Desse material, selecionou 20 fotografias para a exposição “Caminhos do Pajeú”, que estreia hoje (17 de janeiro de 2018), na seção Galeria.

Acompanhe a entrevista que Elias concedeu para o site Meus Sertões

Por que fotos em preto e branco?

Como fotógrafo autoral, vejo a linguagem preto e branco como uma importante aliada na elaboração de minhas fotos, potencializando a construção de narrativas. e tornando  as fotografias mais expressivas. Estou em busca de uma definição, de um estilo. Se você não tiver um estilo, uma linguagem, você vai sempre ter que colocar a sua marca d’água na fotografia para que as pessoas consigam identificar aquela foto. Quando você consegue uma linguagem própria, não precisa mais da logomarca. As pessoas identificam na hora, ou pelo menos desconfiam. Essa foto parece ser de fulano. É claro que isso é um pensamento de um fotógrafo consolidado, não é o meu caso. Estou começando praticamente agora. São três anos de fotografia.

Quais são seus objetivos?

Como eu não busco dinheiro imediato, embora às vezes venda um quadro de uma imagem bonita, tenho que arrumar um jeito de divulgar minhas fotografias em locais e momentos certos para que alguém ver o meu trabalho e para ter reconhecimento. Não tem outro caminho que não seja esse.

O que mais você está fazendo para alcançar sua meta?

Olhando a galeria da revista PBMAG no Instagram, vi a orientação para colocarmos as hastags #euamopretoebranco ou #pbmag para concorrer à destaque na galeria. Eu gostei das fotos que estavam lá, mas eu não sabia como podia fazer uma rotina para chegar em um resultado parecido com aquele. Fui no canal do fotógrafo Tyto Neves, criador da PBMAG, onde ele tem um vídeo que ensina como deve ser feito uma fotografia preto e branco. Não a questão da composição. A composição e as questões técnicas seguem padrões. Fixei na definição que ele deu: a fotografia PB vai do preto ao branco, passando pelos tons cinzas, e no tratamento de imagem simples. Comecei a publicar e a receber elogios. Fui aperfeiçoando e ganhei 20 destaques em três, quatro meses na página da PBMAG, a ponto de ser convidado para publicar na revista como autor. Estou empenhado em fazer uma série fotográfica dessa viagem ao sertão para ver se consigo que minhas fotos sejam publicadas.

Você tem algum outro projeto em execução?

Sempre pensei em incluir pessoas e comunidades do sertão nesse projeto como forma de incrementar o meu trabalho e, ao mesmo tempo, beneficiá-las. Sendo assim, venho contatando algumas organizações que ajudam essas pessoas pra sugerir parcerias para tornar isso realidade. A ideia é viajar às comunidades do sertão para realizar ensaios fotográficos, na linha documental e artística; assim, as imagens seriam utilizadas em meus trabalhos e um número de fotografias emolduradas (quadros decorativos) seriam doadas para comercialização a fim de gerar recursos para as próprias comunidades.

Quanto você cobra por foto?

Varia de acordo com o papel utilizado, se tem moldura ou não. Sem moldura vendo na faixa de R$ 80/R$ 90. Não costumo vender de forma digital. Um colega que envia o arquivo em alta resolução para os compradores disse que descobriu que um cara estava imprimindo e vendendo as fotos dele.

Como foi sua primeira experiência de fotografar no sertão?

Uma das questões problemáticas é você se aproximar das pessoas. Geralmente, elas têm um certo receio. Você precisa adquirir confiança, precisa conhecer a cidade e as pessoas para entrar em uma comunidade e tirar fotografias. Quando fui para o Pajeú, não conhecia ninguém. Chegava no meio da caatinga e conversava com alguém, se me desse confiança e papo, pedia para chamar outras pessoas para fotografar, mas na hora de assinar a autorização do uso de imagem elas ficavam com receio. Agora estou tentando fazer contatos para ter acesso mais fácil e poder dar continuidade ao trabalho nas outras regiões do sertão de Pernambuco.

Em seu site, além das fotos, você posta poesias. Por que faz isso?

Faço poesias feito cordel, mas não sou poeta. Acredito que acrescenta um pouco de molho para quem vê a página.

Você ainda faz trabalhos de TI?

Acabei esquecendo a TI, viu? Nunca mais mexi com isso porque eu me realizo com a fotografia. Se eu soubesse, tinha começado esse negócio antes. Não abro mão de estudar e explorar qualquer segmento. Participo de seminários, cursos, workshops, estou sempre vendo vídeos para aprender mais coisas. O resultado das minhas fotos ainda está muito aquém do que estou esperando. Até agora estava preocupado em fazer meu portfólio porque é baseado nele que as pessoas te convidam. Ainda estou concluindo essa fase.

Pessoas próximas não estranharam sua opção pela fotografia?

Muitas ficaram surpresas porque TI é lógica e razão, dois mais dois são quatro. Na fotografia não tem razão. Pode até ter na questão técnica, a proporção áurea, regra dos terços. Mas na hora que se faz uma fotografia, você tem que botar sentimento. Tem que olhar mais o ser humano e eu não estava acostumado a isso. Trabalhei 30 anos em Informática. Lidava com números e não com pessoas. Então as pessoas estranham. “Você vai trabalhar com fotografia, com arte? ”. É uma estranheza, mas uma estranheza legal. Eu particularmente não me imaginava fazendo isso, nunca. É por isso que a cada dia que passo, me surpreendo comigo mesmo. Eu não sei em que nível minha fotografia está. Quem diz isso são as pessoas que trabalham com fotografia.

Qual o próximo evento que você participará?

Devo ir em março para o Festival de Tiradentes (MG). Já comprei as passagens. Lá vai ser o point da fotografia de 7 a 11 de março. E eles vão fazer uma exposição e o tema é “Imagens para o Futuro”. Eu achei que as fotografias relacionadas com o abandono do sertão devem ser colocadas em uma caixinha lacrada e se abrir daqui a 50 anos para ver o que aconteceu. Graciliano (Ramos) já dizia que o retirante fazia esse trajeto para as grandes cidades do mesmo jeito que fazia no passado. Há 80 anos não se muda nada no sertão.  Entendi que essa era uma narrativa interessante para o tema. Eu estou em busca de reconhecimento. Se eu tiver qualidade é questão de tempo. Sou suspeito de falar porque o filho da gente sempre é lindo e maravilhoso.

CAMINHOS DO PAJEÚ

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Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.

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