A cidade e as serras

O artista plástico Almaques Gonçalves dos Santos, 37 anos, prefere se apresentar como um descolado e maldito. No entanto, contraditoriamente pragmático, diz que sua pegada atual é comercial: “Faço o que os clientes querem”. Nesta entrevista ao site Meus Sertões, as respostas desse pintor jacobinense autodidata são como pinceladas dadas para encobrir o lado romântico e idealista de quem faz de sua cidade, a 330 quilômetros de Salvador, sua musa. Almaques, nome que seria de origem aramaica e teria como significado “terra prometida”, é o expositor deste mês na seção Galeria, na primeira página do site Meus Sertões.

Almaques, 37 anos, tem a cidade de Jacobina como inspiração. Foto cedida pelo artista.

Qual a origem do seu nome?
Rapaz, dizem que é aramaico e significa terra prometida, mas não tenho certeza. Só que eu fiz uma pesquisa na internet e nunca achei.

Mas teus pais nunca te contaram nada sobre ele?
Já porque um amigo de meu pai aqui da cidade se chama Almaques. Eles serviram juntos. Depois, esse Almaques, que é amigo dele, me falou sobre isso.

Você estudou artes, como se descobriu artista plástico?
Eu sou autodidata. Desenho desde criança. Com o tempo fui aperfeiçoando os desenhos. No ano 2000 me deu vontade de pintar o primeiro quadro. Aí deu certo. Depois eu fui estudando por mim mesmo os grandes mestres e copiando pintura para aprender a misturar a cor e essas coisas.

Quais foram os mestres que serviram de inspiração para você?
Primeiro foi Leonardo da Vinci, Van Gogh, Gauguin, Renoir, Monet, Salvador Dali… Dali me influenciou muito.

Como foi o processo para pintar o primeiro quadro? Como você conseguiu o material?
O material não me lembro como foi que consegui. O primeiro quadro foi uma vista de Jacobina, lá do hotel Serra do Ouro. Nesse tempo eu ainda não tinha os recursos de máquina, celular, computador. Tive que levar cavalete e tela, todos os dias, no mesmo horário, para pegar a mesma posição do sol e da luz nas casas. Passei quase uma semana pintando esse quadro. Eu tinha 20 anos.

Qual sua escolaridade?
Terminei o segundo grau e passei para o curso de história na Uneb (Universidade do Estado da Bahia), mas não quis fazer. Não era o que estava afim. Aí, eu fui para Salvador e fiz um curso de história da arte, só a parte teórica, para ter mais embasamento.

Onde você fez este curso?
Fiz em um estúdio que tem na Barra, o Studio A, é um estúdio que também mexe com cerâmica. Fica na Avenida Princesa Isabel. É de Adelina Rebouças. O pai dela foi um artista plástico conhecido, Antônio Rebouças. Ela é formada em artes pela UFBA (Universidade Federal da Bahia). Depois, nós trabalhamos juntos no estúdio e em outros projetos.

Seus trabalhos tem fases bem definidas: vistas da cidade, religião…Como você moldou teu estilo?
Meu estilo ainda está em mutação. Tende muito para o expressionismo (movimento artístico que procura retratar, não a realidade objetiva, mas as emoções e respostas subjetivas que objetos e acontecimentos suscitam no artista) porque gosto de pintar o que vejo, paisagens e aspectos cotidianos. Os quadros que enviei para Meus Sertões foram feitos para a exposição sobre a cidade de Jacobina: “A cidade e as serras”. No início também eu falei com vários fotógrafos, que são meus amigos. E a maioria dos quadros foram feitos a partir de registros fotográficos dessa galera. No catálogo que enviei tem a fonte das fotografias tem o copyright dos meninos.

Todos os quadros que você enviou são de “A cidade e as serras”?
Algumas não. Muitas telas já venderam porque eu não seguro tela. Se o cliente chegar em uma exposição e quiser levar, ele leva. Eu pinto para vender mesmo. Umas vão saindo e eu vou fazendo para repor. Está prevista nova exposição de “A cidade e as serras”, na Associação Comercial, e em um hotel. Ainda estamos definindo as datas.

Como você descobriu que suas telas eram vendáveis?
Foi um professor universitário quem me disse. Eu trabalhava como cadista em uma empresa de engenharia. Este primeiro quadro que fiz estava exposto na minha mesa. Ele foi lá com uma amiga minha. Ele viu o quadro e perguntou quem tinha pintado. Quando ele soube que era eu, ficou impressionado e marcou para a gente fazer uma exposição. Passou um tempo e pintei 10 quadros para a exposição “Arte e Cidade”, tendo Jacobina como temática. Ele chamou também uns 10 fotógrafos amigos. Botou fotografia, pintura e desenho. No coquetel de lançamento, vendi todas as telas e vi que dava certo. Isso foi em 2005.

Hoje você vive da pintura?
Eu tento, mas não. Ainda vivo com alguma dependência de meus pais.

Seus pais trabalham com quê?
Meu pai é músico e minha mãe, dona de casa. Porque tem meses que vende muito, aparece muita coisa para fazer. Tem meses que não vende nada. É muito instável. Eu também sou perdulário. Eu gasto mais do que eu vendo. Bebo, também faço farra e sou boêmio (risos).

Como é seu sistema de venda?
Vendo aqui e em Salvador. Às vezes, eu vendo por encomenda, o que uma pessoa me pede. Agora também estou vendendo para uma galeria de arte. A galeria especifica o que ela quer.

O que a galeira tem pedido para você?
Tipo florais, painel com florais. Eles dizem que é tendência agora, que vende muito. Fundo branco e só flores malfeitas por cima. Porque eles acham que se for bem-acabado fica meio brega, cafona.

Qual o nome dessa galeria?
Esqueci o nome. Só sei que fica entre a Pituba e o Caminho das Árvores. O nome tem alguma coisa a ver com arte.

Quantos quadros você chega a fazer por mês? Qual a sua rotina de produção?
Estou tentando manter uma rotina agora porque eu nunca tive rotina. Pinto de três a quatro quadros por semana. Ontem, pintei um. Vou fazer outro hoje. Começo tipo 10 horas da manhã e até 10 horas da noite eu pinto um quadro. Gosto de pegar um quadro e terminar ele em um dia. Não gosto de passar muito tempo em um quadro.

Por quê? Enjoa? Cansa?
Eu fico cansado. É chato também. Eu gostava muito de realismo e hiper-realismo (pintura semelhante a uma foto com alta resolução). Depois, fui me cansando. Quero fazer o que seja melhor, o que seja gostoso de pintar. Não ficar preso em técnica chata e acadêmica, que eu nem domino. Tenho que fazer o que eu sei para sair bom. Esses quadros da galeria são muito bons de fazer que são malfeitos, é isso que eles gostam. Eu faço do jeito que eu quero, pinto rápido.

Defina malfeito?
Não é malfeito, não. Eu que falo assim. As pessoas tradicionais quando veem este tipo de quadro, não compram. Querem as flores bem definidas. Esse não, é bem solto. A pincelada…tem alguns contornos que ficam inacabados, a tinta não é bem misturada.

Qual o preço dos teus quadros?
De R$ 400 para cima.

O teto é quanto?
Rapaz, R$ 600.

Você também dá aulas, faz oficinas?
Não, mas estou pensando em fazer. Fui chamado agora. Semana que vem vou dar uma oficina de grafite em um colégio. Teve um aniversário da cidade me chamaram para fazer um grafite com a cultura e o folclore da cidade. Fez o maior sucesso. As pessoas tiraram fotos para postar no Facebook.

Você costuma divulgar suas obras na internet?
Eu tenho uma página no Flickr. Só que nunca mais eu atualizei. É que eu tenho preguiça. Tenho que arrumar uma pessoa que faça isso para mim. O Facebook para mim é mais cômodo. Ultimamente, só coloco no Facebook, mas vou fazer um site ou um blog para ficar mais organizado.

Jacobina é sua principal musa. Qual a sua relação com a cidade?
Eu nasci aqui. Como fiquei muito tempo aqui, comecei a pintar estes quadros de igrejas, que são bem vendáveis. No momento, estou pintando o que acho que vai vender. Não estou pintando por inspiração. Não estou dizendo: “Ah, eu tive a inspiração porque sou um apaixonado, sou um romântico”. Quero pintar o que vende, normalmente. Se eu pinto Igreja da Missão, Igreja da Conceição, blábláblá, essas coisas tradicionais e turísticas daqui, vende. Estou na pegada do comercial. Romantismo já passou um pouco.

O que te leva a este pragmatismo?
Quero ter autonomia financeira.

Para quais estados e países você já vendeu seus quadros?
Tenho clientes fora do estado e do país. Quando morei em Salvador, uns dez anos, enviei muito quadro para Itália. Um italiano comprou um quadro meu e, depois, todo mês ele me encomendava quadros e levava para seu país. Também já vendi, por causa das exposições que fiz na capital, mandei muito quadro para fora. Para Suíça, para Itália, para os Estados Unidos e para o Canadá, Portugal.

Até quando Jacobina será o principal tema de seus quadros?
Por enquanto ainda é, mas estou começando uma nova fase para comercializar quadros tanto aqui quanto em qualquer lugar do mundo. Já vou sair dessa vida de Jacobina. Estou pintando só mais uns quadros para repor na exposição. E espero começar uma nova fase de quadros.

Almaques, artista plástico jacobinense, agora pretende fazer série de quadros sobre favelas.baianas

Já sabe qual será essa fase?
Gostei bastante da ideia de florais. Quero pegar uma fase de florais. Também estava com uma ideia de pintar favelas agora. Teve uma exposição que fiz em Salvador que foi sobre o crack. No meu Facebook tem esta pasta. Quando morei lá, ficava observando essa galera de rua. A exposição foi bem comentada, saiu no jornal e tudo. Na exposição tinha um quadro que era uma favela enorme, uma favela que tem na entrada de Salvador. E na frente tinha um cara cabisbaixo e magro com uma lata na mão. Foi um dos quadros mais cobiçados por causa da favela, não tanto por causa da figura humana que tem na frente. Esses dias estava com a ideia de fazer uma série de favelas. Esse quadro foi vendido.

Você tem outras pessoas na família que pinta?
Minha irmã desenha e pinta camisas. O nome dela é Zaira.

E qual o nome dos teus pais?
Val Verdes Mares e Terezinha.

E eles te apoiam?
Agora até que sim. Eles viram que se eu me dedicar mesmo dá certo. Às vezes, é porque ficou muito disperso. Ou então faço farra demais e paro. Fico meses sem pintar. Já fiquei um ano sem pintar. Foi um período negro. É um pouco confuso na minha mente.

Teve algum motivo ou foi só preguiça?
Não sei. Acho que foi uma fase mesmo de álcool. Muita gente, muita amizade errada. Festa e reggae, essas coisas. Vai saindo um pouco do eixo.

Dos artistas baianos, qual o que você tem mais contato, troca informação?
Nenhum. Só mais amigo de músico e ator do que artista plástico. Ah! Tem Cícero Matos. Fora ele, nenhum.

Dá forma como você fala, evidencia um perfil é meio marginal…
É isso mesmo.

Como os moradores de Jacobina avaliam a tua arte?
Quando voltei de Salvador e fiz essa exposição, fui bem aceito. Estou começando a ser mais conhecido agora pelo pessoal da sociedade, da prefeitura. As outras administrações, no tempo em que estive aqui, era bem ruim para as artes. Não davam espaço. Agora estão mais abertos.

Você estuda ou parou de fazer qualquer atividade que não seja pintar?
Todo dia eu estudo e leio bastante. Gosto de ler literatura e filosofia clássica.
Você pretende continuar em Jacobina, já que ela não vai ser mais tua musa principal?
Eu não crio uma meta de que vou juntar dinheiro e vou sair daqui. Eu faço as pinturas e levo para Salvador. Conforme as coisas forem acontecendo, eu vou me adequando. Deixo as coisas acontecerem.

Estou vendo as fotos de suas obras e enxergo um casal de índios, santos…
Sim. Os quadros com os índios são Jacó e Bina. Eles representam os paiaiás que habitavam a região na época do ouro, da colonização. Jacó está com o sofrê e Bina, com o cardeal. Os santos estão pairando acima de suas igrejas. Santo Antônio, que o padroeiro, está em cima da Igreja da Matriz; São Benedito paira sobre a Igreja da Missão; e Nossa Senhora da Conceição, na igreja dela.

Você é religioso?
Não, não. Só para vender, só. Eu postei e vendi os três no mesmo dia.

Quando você faz uma obra que vende no mesmo dia, você faz mais dele ou não?
Eu fiz outro do Santo Antônio, mas foi diferente. Era a mesma ideia, mas o santo estava com outra roupa, outro aspecto físico. Mas eu não gosto muito não. Até o quadro da rural teve uma confusão. Pintei um quadro com uma rural em frente a um casarão. Eu fiz uma confusão com este quadro. Eu pintei dois, aí um dos donos é um senhor que ele pinta. Ele faz arte Naïf. Ele pinta por hobby. É bem simples, eu gosto.

Pois bem, ele comprou esse quadro da rural num bar. Aí eu pintei outro quadro desse para a dona de um colégio particular. Uns frequentadores do bar dele, que é amigo da dona da escola, chegou e disse: “Ué, o quadro de Emília está aqui no seu bar? ”. Ele quis saber o que estava acontecendo e o freguês explicou: “Tem uma rural dessa na casa de Emília”. O cara me ligou, me esculhambou (risos), disse que ia me processar. Foi engraçado. Só que eu como criador da obra posso pintar quantos quadros quiser, agora tenho que colocar assim um de dez, dois de dez, para a pessoa saber. Naquele tempo eu não sabia. Não coloquei isso. Depois, vi que ele estava com raiva e ficou estressado. Mas o pessoal compra um quadro de R$ 400 ou R$ 600 e quer uma exclusividade como se tivesse pago R$ 20 mil e eu não posso reproduzir mais nunca para ninguém?

Você também tem muitas telas de feira livre?
Acho bacana a feira. Fotografei a feira quando amanhecia o dia nas boates. Depois a gente descia para comer na feira essas comidas de mocotó, buchada, não sei o quê. Eu saía fotografando tudo com celular. Depois, em casa, escolhia as melhores fotos e pintava. Esses quadros também são bem vendáveis.

Você tem um jeito engraçado de “largadão”, de se projetar como maldito e polêmico, mas isso não aparece nos seus quadros.
Eu quero começar a fazer isso agora, mas também não vende. O pessoal, pelo menos o do interior, não quer nada disso, não. Eles só querem representação bem-feita da cidade para decorar a sala burguesa deles. Se eles querem isso, eu dou isso a eles.

Não tem nenhum quadro que você diga “esse eu quis fazer”?
Tem alguns deles no Face, no álbum pinturas diversas. Tem um que é a “Apoteose de Narciso”, feito em uma época que eu estava bem surrealista. Tem Narciso deitado sobre a própria imagem, atrás dele um monte de figuras. Bem louco. Esse é o meu estilo, mas na hora da pintura eu também sou um pouco careta. Teve outros quadros que não tive como registrar e se perderam. Não sei com quem ficou, não sei quem comprou e não tenho mais imagem.

Como você define a época – dez anos – em que morou em Salvador?
Rapaz, foi muito badalada. Eu trabalhava numa livraria que de noite eu transformei em boate. Aí fazia muitas coisas. Conheci muita gente. Foi um período bom, eu acho. Fiz algumas exposições na livraria também.

Se alguém quiser comprar um quadro como faz contato contigo?
O meu telefone e zap é 71 9 93265121

Perfil artístico*

Almaques Gonçalves dos Santos nasceu em 19 de janeiro de 1980, em Jacobina, Bahia. Suas primeiras apresentações ocorreram em centro culturais e feiras de arte, em sua cidade. Aos 20 anos, ele iniciava carreira de artista plástico.

Em 2005, com outros pintores, fotógrafos e intelectuais participou da primeira mostra coletiva “ Arte e Cidade”, projeto que no ano seguinte, apoiado pelo Banco do Nordeste, daria origem a outra exposição e a um livro. Alguns de seus quadros foram apresentados na sala Pierre Verger, na Biblioteca Central, em Salvador.

Cinco anos depois, no sebo Praia dos Livros, no Porto da Barra, em Salvador, Almaques fez uma pequena mostra chamada “1001 Cópias”, onde mostrou o domínio de várias técnicas, a partir da reprodução de quadros de grandes mestres da pintura.

Durante o tempo que morou em Salvador e observou as ruas da cidade e seus personagens não convencionais, o jovem jacobinense iniciou, em 2011, um projeto de história em quadrinhos sobre um menino de rua, explorado por um casal de traficantes, no Centro Histórico.

Também em 2011,  expôs suas obras no evento “As cinzas de pedra”, que retratava o flagelo do crack nas ruas soteropolitanas. Esta exposição, no Praia de Livros, foi tema de reportagem em jornais e emissoras de televisão.

Logo depois, em parceria com a artista plástica Adelina Rebouças, participou como orientador do projeto “Feira de Cores e Sabores”, que consistia na realização de oficina de arte em mosaico, envolvendo grupo de aprendizes da APAE-Salvador. A proposta visava valorizar o patrimônio cultural e imaterial da feira de São Joaquim. No final do trabalho, as peças produzidas pelos alunos ficaram expostas no Museu da Cerâmica Udo Knof, no Pelourinho.

Em 2013, Almaques é convidado para ilustrar livro “A Cidade e seu Duplo”. Com o apoio da APAE-Jacobina, lançou na Uneb a exposição “A Cidade e as Serras”, que retratava Jacobina. Suas telas foram pintadas a partir de registros de fotógrafos que moram no município.

Segundo Almaques, nesta mostra “Jacobina é percebida, apropriada, retrabalhada e reinventada poeticamente”. Nas telas e fotos são retratadas a feira, o pôr-do-sol, as ladeiras, o casario, as igrejas, o horizonte, os campos, e as paisagens emolduradas pelas serras.

Na exposição “A cidade e as serras”, os quadros foram pintados a partir das fotos de Alex Félix, Eugênio Júnior, Rui Lima e Saulo Corte.

(*) Texto enviado pelo artista Almaques Gonçalves

EXPOSIÇÃO

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Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.

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