Miguel e a alumã

Prestes a completar 87 anos em julho, Miguel Martins do Reis mantém a rotina de acordar muito cedo e ir a pé para sua plantação a dois quilômetros de casa, em Cedro de São João. Lá, passa o dia “aguando e cuidando das plantas”.

Sua saúde é invejável, comentada pelos vizinhos. Para isso, ele se baseia em alguns mandamentos: não beber, não fumar, não comer o que não presta, dormir cedo e preferir o uso de ervas ao de remédios.

Nascido no povoado de Eucaliptos, que o tempo riscou do mapa, foi morar no Cedro e por lá permanece. Conhecido pela mata que possui no fundo de sua casa, às margens da Lagoa Salomé, costuma ser abordado pelos moradores da cidade em busca de ervas para males diversos.

Ele tem prazer de dar mudas e folhas, mas faz uma exigência: as pessoas tem que ir pegá-las de manhã cedo, pois de noite não é hora de cortar galhos.

A mata começou com sua mulher Ginalda, já falecida, e é preservada e ampliada com carinho:

“Se médico e remédio fossem alguma coisa, ninguém morria” – diz ele que perdeu uma filha devido ao que considera ter sido um erro médico.

Nas poucas vezes que ficou doente, seu Miguel se valeu das ervas de seu quintal. A preferência por chás começou quando ele teve sarampo e, como consequência, passou a ter dificuldade para se alimentar.

Mesmo muito debilitado, o agricultor ia montado para feira em Propriá, cidade há oito quilômetro do Cedro.

“Mal comia um tijelinha de arroz de água” – conta.

Foi lá que teve o seguinte diálogo com um velhinho, na barraca em que trabalhava:

“Você anda doente?”

“Eu já estou para morrer”

“Do que você sofre?”

“Não posso me alimentar de nada”

“E o que você toma?”

“Ah! O médico aqui já me passou até remédio para úlcera de estômago.”

“Tome chá de plantas. Se você continuar tomando chá, você vai ficar bom.”

ORIGEM

Depois de dizer isto, o velhinho lhe indicou “uma tal de alumã”, também conhecida como boldo baiano e assa-peixe. Essa planta originária da África, foi trazida para o Brasil no período colonial pelos negros escravizados.

Com muitas propriedades medicinais, é considerada folha sagrada, associada aos orixás Ogum e Oxalá no candomblé jêje-nagô, e usada durante rituais de iniciação nos banhos de purificação e sacudimentos. Seu Miguel, muito católico, desconhece isso.

“Alumã amarga como fel, é pior do que boldo, mas olha, foi um santo remédio para mim. Aí, arranjei um pé e plantei. Está no quintal. Como tudo, graças a Deus, e nada me faz mal.”

Além de não gostar de medicina e de médicos, seu Miguel não quis casar de novo. Preferiu cultuar a memória da mulher, que morreu de diabetes, após passar 16 dias internada. Pouco tempo depois, uma mulher da cidade fez uma proposta de casamento, que foi rechaçada:

“Fiquei viúvo e não quis mais saber de mulher, não. Essas que não presta (sic), que fique (sic) para lá. Não é, não? Deus quando me deixou no mundo, me deixou com a cabeça, não foi só para usar chapéu. Eu penso no que pode acontecer. Tô bem de noite, assisto minha missa e o Terço na televisão. Depois fico assistindo uma coisinha aí. Então quando ela falou em casamento, respondi: “Coisa oferecida, ou podre, ou roída”. Nunca mais ela falou comigo.”

OUTRAS ERVAS

Seu Miguel faz chá de outras plantas quando necessita: alfavaca, capim santo, hortelã… No entanto, os principais elogios são para a alumã, “que elimina até verme”.

“Quem mata homem é vício? Só vou morrer porque nasci. Já vi uma reportagem em São Paulo, um cientista dizendo, os médicos, farmacêuticos entendem que o que cura são as plantas. Mas eles não dizem que é para ganhar dinheiro” – ressalta.

Veja agora o vídeo no qual Seu Miguel explica para que serve a alumã e como preparar o chá.

 

Jornalista. Conquistou prêmios como Esso, Embratel, Vladimir Herzog, SIP, YPIS e Rey de España. Formada pela UFRJ, e é mestre em Comunicação pela Uerj. Professora universitária, integra o conselho da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), da qual foi presidente em 2008–2009, e o projeto Mulheres50mais.
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