Miguel.

Miguel Alves Pereira, 72 anos, estudou pouco e trabalhou muito. Foi vaqueiro e também tocava carros de bois para encher nove vagões de trem da Leste por semana. Ele fala com prazer dos marruás que capturou, de como conquistou o coração da mulher, Maria Rosa Pereira, 68 anos, da criação dos filhos, da seca de 1976 e da vida em Malhada de Pedras, onde nasceu e se criou. Conversar com seu Miguel é viajar no tempo por horas a fio sem cansar. Bem, vamos parar o falatório e deixar ele contar a própria história com a ajuda de Maria.

Maria Rosa Pereira, 68 anos, dona de casa e artesã. Foto: Paulo Oliveira
Maria Rosa Pereira, 68 anos, dona de casa e artesã. Foto: Paulo Oliveira

“A gente foi de uma família fraca (humilde). Meu pai morava na Baixa Grande e eu vim para cá. Produzir toda vida, nós produz e divide. Às vezes tem um ano fraco de chuva. Outros mais, outros menos. Mas toda vida nós tocando a nossa roça. Meu nome é Miguel Alves Pereira, conhecido hoje por Miguel de Leopoldino, que meu pai se chamava Leopoldino.

Tem vezes que eu compro coisa aí, que, graças a Deus, crédito nossa família nunca perdeu. Nessa noite mesmo eu estava lembrando: tinha um farmacêutico aqui que não vendia fiado para ninguém, sabe? Aí meu pai mandava nós pegar um remédio lá. Ele falou: não vendo fiado para ninguém, mas eu vou pagar. Ele pegava um dinheiro na gaveta e pagava os remédios de meu pai. Meu pai ficava devendo. Ele fazia isso para não vender fiado, né? (risos).

Aí que nem eu falo: nós somos de uma família toda de lutador. Meu pai é pai de 25 filhos. De uma mãe só. Minha mãe teve 25 filhos. Foi de uma mulher só: Glicéria. Ela teve seis gêmeos. 12 pessoas. Sou o caçula dos homens. Eu entrei para 72 anos.

Só tem duas gêmeas agora, morreram um bocado não foi? – pergunta Maria

Dos mabaços (gêmeos) só tem duas agora. Dos seis gêmeos, só tem um casal.

(Maria) Casal não. É duas mulher. Maura e Isaura, que é mabaça. Uma mora aqui (Malhada de Pedras), a outra mora ali em Brumado. Maura tem…vai fazer o quê?

Setenta e seis anos. Ela é mais velha que eu acho que quatro anos. Hoje só tem quatro em Brumado; uma na Argentina, cinco; um aqui, seis; e eu sete. Tem sete pessoas.

(Maria) Só que ele era mabaço também porque tem um filho que a mãe dele criou, ele não contou direito.

Eu tenho um neto

(Maria) Neto, não. É neto da velha, é sobrinho de criação seu.

É sobrinho. Minha irmã teve dois filhos, mabaços também, né? E ela não tava nas condições de criar, aí minha mãe pegou um. Quando nasce dois, a gente fala “fulano é mabaço do outroA minha mãe pegou ele com 60 dias. Ficou sendo meu irmão e meu sobrinho de criação.

(Maria) Ele mora em Londrina.

Aí como eu estou falando: nós foi lutador. Com sete anos eu ia para a roça. Nós plantava arroz e meu pai ficava assim, limpando nos rios. Ele nos duro de enxada e eu lá dentro rancando mato de mão, jogando para fora e vigiando os passarinhos no arroz desde os sete anos.

Não estudei em escola de dia. Só estudava de noite por causa do trabalho. Os outros irmão meu saia tudo. Um ia para um canto, outro ia pro outro. E eu fiquei mais meu pai. A vida toda. Nunca saí, dedicado mais ele. Quando eu estava mais pequeno, de sete, oito anos, botava professor dentro de casa para ensinar os filhos. E eu era pequeno, ele falava: “Deixa ele crescer, quando crescer, ele estuda”.

Não sei se você ainda alembra que tinha um estudo não sei se era Mobral, não sei como é que era. Sei que era pelo rádio (*). O rádio tava lá tocando. A escola nossa era de noite. O pouquinho que eu aprendi foi de noite. Não teve série não. Só assinava o nome e lia um pouco.

(Maria) Depois ele aprendeu no Mobral, eu mais ele. Nós já tinha casado já. Nós tem 43 anos de casado. Edna (uma das filhas) estava no primeiro ano que ensinou lá. Eu tenho o retrato dela quando ela estava ensinando o Mobral na roça. Eu ganhei o diploma. Ele não ganhou não, que ele não passou. Naquele tempo era AJA (Alfabetização de Jovens e Adultos) Bahia.

Eu trabalho na roça até hoje. Fui vaqueiro, trabalhava de carro de boi, enchia vagão de mamona, tudo quando eu fiquei de maior. Aqui encher o vagão de mamona era tudo em carro de boi. Era trem da Leste. Tudo que transportava era por vagão: melancia que vendia na região, fora, tudo era no trem. Já enchi até nove vagões de mamona por semana.”

O NAMORO

Nasci e criei em Malhada. Eu nasci ali na Baixa Grande, vim para cá pra fazenda Itamarati com três anos. Eu nasci em 1948.

(Maria) Em 1951, eu tinha um ano.

Mas eu já tinha três (gargalha)

Como vocês se conheceram? – pergunto

Conheceu que nós somos da família também, somos primos. Aí teve uma festa. Eu fui na festa ela veio de lá. Ela é de Dom Basílio (a 93 km de Malhada).

(Maria) Eu nasci no Alto do Rosário, município de Dom Basílio.

Eu casei com 27 anos, ela 25. O namoro era assim. Ia lá (risos), visitava e voltava. Fui nove vezes na casa dela antes de casar. Todo mês eu ia lá. Ia uma vez por mês. Mas era assim: namorava só dentro de casa. O pai, a mãe tudo ali encostado (risos). Não tinha negócio de beijar, abraçar, nada (mais risos).

O velho me perguntou se eu queria falar que estava namorando a primeira vez que fui lá. Eu falei: “´É, com fé em Deus eu vou casar”. Daí há alguns dias, nós marquemos o casamento. O tempo de namoro foi nove meses. Um dia por mês. Eu ia na sexta, voltava sábado. Era assim.

(Maria) Comia carne de porco (riso). Papai engordava porco, matava que arrastava a barriga no chão.

O CASAMENTO

Casei seis horas da tarde lá, quando foi seis horas da manhã eu vim embora pra Malhada. Porque naquele tempo eu fui em carro fretado. Eu fretei o carro para me levar e trazer. Na hora de voltar, trouxe ela.

Eu sempre dou muito louvor a Deus porque eu me casei. O dia em que casei já tinha uma moradinha pra morar. Tinha uma fazendinha que eu tinha comprado. Vendi até o cavalo de andar montado (riso) para inteirar o dinheiro para comprar. No dia que eu casei ,eu já tava morando. Aí vim para dentro de casa já.

A senhora sabia que ele ia pedir a sua mão?

(Maria) Sabia porque ele falava. A mãe não queria muito não. Ela não queria deixar porque eu vinha embora mesmo. Teve uma vez que nós ficou quatro anos sem ir lá. Ela veio aqui. Mamãe morreu com 78 anos. Papai morreu com 91.

Casei, vim para dentro de casa. Com 11 mês nasceu uma menina. Sueli, a minha filha mais velha. Esse dia mesmo, tava com 15, 16 dias que eu fui levar um gado para Triunfo. Lá, eu larguei o cavalo junto com gado e vim de trem. Peguei o trem em Sincorá. 1976, ano de uma seca grande.

Esse tempo a gente estava trabalhando no Derba (Departamento de Infraestrutura de Transportes da Bahia) para ganhar o pão. Tempo da Sudene. Em 76 era tudo difícil. Mas tinha um arrozinho quirera, que nós comprava era saco dele.  Quebradinho e tudo. E nós passemos aquela seca pesada.

SECA E GADO

Aquela seca foi pior que agora. Eu trabalhei um bocado de dia, abrindo cacimba pro o povo apanhar água e tudo na lata na cabeça. Panhava lá do rio e trazia tudo para as casas. Só tinha um velho que tinha uma parelhinha de carneiro e carregava água no carrinho puxado por eles.

Miguel lembra das perseguições feitas aos marruás. Foto: Paulo Oliveira
Miguel lembra do sofrimento durante a seca de 1976, em Malhada de Pedra. Foto: Paulo Oliveira

Lutei muito, muito. Setenta e seis foi pesado, mas nós passemos e vivemos. Aí venho lutando, lutando. Um dia trabalhava no campo; às vezes, um cara me pagava para levar um gado em Conquista. Eu ia com três companheiros. Fazia uma farofinha e levava para comer no caminho.

Naquele tempo nós ia tudo amontado. Às vezes já aconteceu de ficar o gado na arribada. A gente vendia o gado e voltava atrás para apanhar, n’era? Não tinha mais salta-moitas (homens, geralmente negros e pobres, que entravam na caatinga a pé para pegar os animais que fugiam). Era tudo amontado a cavalo. Quando nós descemos aqui para baixo, nós descemos com 170 cabeças de gado.

Eu também buscava gado para um fazendeiro, um boiadeiro que tinha aqui perto de Brumado. Um dia eu fui pegar um gado, 50 garrotes (bezerro de dois a quatro anos) na fazenda de João Chumbinho. Tinha cinco vaqueiros mais eu. Aí um cumpadre meu falou assim: “É cumpadre, se for embora 10, não foi nada”.

Era uns bicho que eu nunca tinha visto lá, uns garrotãozinho assim eu nunca tinha visto. Eles estavam ferrando, o bicho ia lá em cima e voltava. Na hora que soltou, nós levou meio-dia para viajar meia légua (três quilômetros).  Os trem (animais) esparramava, corria. Lembro que eu entrei com um garrote assim em uma capoeira, enrabei atrás, o cavalo meteu o pé no buraco. O cavalo topou comigo assim. Eu não machuquei nada. No outro dia, eu amanheci sentindo um pouco da coluna. Aquela vez nós sofreu.

PERNA DOENTE

Eu tinha couro. Hoje eu nem sei. Emprestei o meu gibão e as perneiras. As perneiras foi acabando, o gibão estava até bom. Aí o cara tomou emprestado, desapareceu. Eu tinha laço, tinha tudo. Mas depois que adoeci dessa perna eu não mexi mais com gado. Quebrei a perna, o sangue estourou aqui, a medicina fraca.

O médico lá em São Paulo disse que a medicina era fraca. Isso aqui tinha o sangue. Ficou tudo na perna, sabe? Era do médico fazer uma drenagem, tirar o sangue e dar um medicamento para não criar infecção. Ele mandou fazer quimioterapia. Essa perna foi perdendo, perdendo, ôxe! Essa perna não sente nada nela.

Olha como eu tomo pancada (mostra as marcas). Tudo aqui de pancada. Para mim andar de sandália, eu preciso estar futucando. Para botar o pé, olha o que eu tenho que fazer assim com o pé. Caminhando, ela vai saindo, eu encaixo no chão. Fiquei dois anos de cama e de cadeira de roda. Mas Deus me ajudou e hoje ainda trabalho, ainda faço tudo.

FAMÍLIA

Nós tivemos seis filhos, três homens e três mulheres. Fui lutador, trabalhei muito, mas todos filhos formou na primeira formatura: primeiro ano, segundo, terceiro. Formou um grau. Daí em diante cada um seguiu o que queria. Só tem três que não conseguiram formatura, os outros conseguiu.

Aquele que tava lá (em uma festa de aniversário) ontem, Marcelo (mostra a foto). Eu ontem era pra ter tirado o retrato dos irmãos juntos: Edna, Cristina, Sueli… Quando os filhos está tudo junto eu gosto de tirar o retrato para representar. Há poucos dias, o dia em que meu menino casou, veio umas irmãs minha, aí aconteceu que juntou os filhos; três e dois, cinco.

Também mexo com uma lavourinha. Agora que eu estou quase parando. Eu sempre tive vontade de ajudar meus filhos. Eu tinha uma fazendinha aqui, agora eu dividi tudo para eles. Cada qual ficou com o seu pedaço. Eu posso dizer que pedaço de terra quase eu não estou tendo. Já tou meio velho, já criei meus filhos e tudo, já lutei, agora tenho que ajudar a eles. O que eu faço é só para ajudar eles.

Tenho entre adotivo e coisa, 13 netos. Adotivo que eu falo é assim: um filho casou com uma mulher que tinha um, dois. Então adotivo que eu falo é isso. Aí eu adotei tudo como neto. Agora vai pra 15 daqui pro fim do ano.

REMÉDIOS CASEIROS

Olha, nós sempre faz um tipo de um xarope. De três, quatro, cinco qualidades de erva do mato. Nós usa imburana macho, jurubeba, alfavaca, mastruz.

(Maria) Isso aqui eu trouxe da roça ontem: isso aqui é laranja, aqui é pitanga, aqui é manjericão, aqui é romana (romã), aqui é mastruz. Eu cozinho tudo, você pode botar mais, botar alho, botar gengibre. E aquela jurubeba também. Eu pego, cozinho ela e depois lavo bem lavadinha e coo. Aquela água eu boto açúcar e faz o mel. Olha o xarope aqui. A gente bota gelado (dá para eu provar). Mel de pau. Põe cravo para não ficar o gosto ruim, para o povo não descobrir. Aí boto cravo e canela. Eu enchi um vidro e dei para a Edna (filha). Ela pediu, estava com uma tosse. Quer mais?

Ervas usadas para fazer remédios caseiros. Fotos: Paulo Oliveira
Ervas usadas para fazer remédios caseiros. Fotos: Paulo Oliveira

E para a criação eu faço também a garrafada. Catinga de porco verdadeira, batata de teú – é uma erva também, ela sai assim tipo uma cabeça e aí quando o teú está ofendido de qualquer coisa, você pode olhar, ela fica toda mordida pelo lado de fora, dele morder para servir de remédio. Dizem que batata de teú é bom para cobra, remédio de cobra. E alho. Eu boto três qualidades de coisa para fazer esse xarope: catinga-de-porco verdadeira, batata de teú e uma cabeça de alho. Serve para qualquer coisa no intestino. Só serve para animal, não é para gente não.

TEMPO ANTIGO

Mudou muita coisa em Malhada. Quando eu tinha sete, oito anos, tinha um mercadinho aqui embaixo na praça da igreja que chamava barracão. A feira era ali. Era coberta até de palha. A feira era sábado naquele tempo. Sábado e segunda-feira. Aí tinha feira e o povo juntava tudo. Aí o povo fazia uma barraquinha de uma coisa, de outra, com café, de uma coisa e outra.

Tinha aquele barracão ali, tudo para vender tinha naquele barracão de palha. Agora ficou um bocado de tempo. Depois fez de “teia” (telha). Aí já fez mais organizado. Aí ficou e choveu. Meu Deus, quantos anos! Aí municipou? Isso aí era município de Brumado. A feira certa era em Brumado. Depois do município é que mudou a feira lá pra cima e fez o mercado. Aí agora só vai igual veio. Um faz uma coisa, outro faz outra, outro faz outra.

A igreja mudou, mas era uma igreja daquele tipo mesmo, só fez modificar. A porta era de barro com aquele pé-direitão. Dessa largura! Era assim que fazia. Eu lutei nessa igreja um bocado de ano. O cara que tomava conta mandava eu fazer o festejo da igreja. Tinha a festa do Bom Jesus, fazer uma novena. Eu que tinha que fechar aquela novena sozinho. Depois veio e  colocou um colega para me ajudar, mas…

Tinha vez de eu trazer até 40 leilão lá de casa para a igreja. Também nós fazia de tudo. Tinha andu, a gente fazia um cozinhado, fazia uma farofa, andu verde, mandioca mansa, batata. Tudo isso nós tinha. Trazia tudo para fazer o leilão. Leitoa assada, frango. E eu lutei nessa igreja um bocado de ano. Depois agora que o festeiro morreu. Aí foi outro tomar conta. Era João Gonçalo que tomava conta. Aí eu fiquei só indo em missa. Às vezes eu tomo leilão para a igreja assim, mas não tomo conta mais de festa não. A comunidade tomou conta. Fiquei de festeiro uns 10 a 12 anos.

O PADRE

Conheci o Padre Ladislau. Foi ele que fez nossa planta (projeto da igreja) que tá aí hoje. A casa paroquial foi ele que fez. Ele era um padre de outro país – Alemanha? Itália? (na verdade era húngaro) – aí ele trazia projeto de lá. Ele mesmo ia lá em casa muito. O dia que ele queria almoçar lá em casa, ele falava: “Vou almoçar hoje, vou comer “parma” (palma). Aqueles cortadinhos de “parma”. Aí Maria fazia o almoço, a gente ia almoçar lá em casa, na roça.

Ele era um padre que já ia para feira pedindo. A gente conheceu ele primeiro como “o padre da batina preta”. Ele tinha a batina com aqueles bolsão assim, sabe? Ele saia na feira pedindo, o cara dava um quilo de arroz, um quilo de açúcar, ele colocava tudo ali dentro (risos). Botava tudo ali dentro daquele bolsão dele. Pedir para ajudar a igreja e ao povo, as pessoas que precisavam de um quilo de arroz, um quilo de açúcar, ele dava. Era para dar para o povo, não era pra ele comer não.

O padre trouxe muito benefício aqui para Malhada: poço artesiano, tudo feito por conta dele, da igreja, verba de lá de um país mais rico. Ele tirava de lá para cá. Ele se interessou de ser sepultado aqui. Já tinha saído de lá da Europa. E ele gostou aqui de Malhada de Pedra. Aí ele disse: “vou me acabar aqui”. Ele viajava para lá, mas era morando aqui.

Quando acabou, no dia que ele adoeceu, ele foi pra lá tudo, pra tratar, para recuperar, mas Deus não quis. Então quando ele tá mal disse: “Eu quero ir para Malhada de Pedras. Aí morreu. Quando tava bem debilitado trouxe para aqui e enterrou ele”. Todo 27 de novembro é dia da missa do padre Ladislau. O terreno da sepultura dele, a igreja tinha comprado. Até esse festeiro que tomava conta que eu ajudava é que doou aquele terreno (local da sepultura e do memorial de Ladislau). Deixou o cantinho para ele fazer. Já tem uns 15 anos que ele morreu (na verdade, em 2018 fez 25 anos). Ele comandava um bocado de lugar aqui na Bahia: Condeúba, Guajeru, Piripá. Comandava esses lugar tudo.

(Maria) A irmã dele vinha, não veio mais.

Às vez, não é mais viva também. Ninguém sabe. Ele foi muito bom para cidade. Ele trabalhou foi um bocado de ano. A gente conhecia ele o padre da batina preta. Uma colega de Edna tem a história dele completa no livro. Mas a menina Edelândia, ela sabe. Toda vez é ela quem lê o passado da igreja. Ela lê do começo ao fim.

NOS DIAS ATUAIS

Hoje ainda faço uma coisinha na roça. Agora mesmo estou dividindo esse terreno para os filhos. Eu tô ajudando a trabalhar para dividir. Ficar tudo separadinho. E lá em casa eu crio porco, crio galinha. Uma vaquinha para beber o leite. Tudo eu faço.

A seca este ano está meio pesada. Está acabando os recursos tudinho. Só não tá pior porque a ração que a gente compra caroço para dar a criação baixou muito do ano passado para cá. A criação está acabando, está ficando pouquinha, aí o caroço não tem saída: baixou o preço. Setenta e cinco centavos, o quilo.

Muita gente se desfez da criação. Esses anos seco não choveu para fazer pasto. E é tudo na base da ração, não nasceu capim direito. Eu mesmo criava. No ano passado, eu empurrava carrinho de “parma” assim com essa perna ruim. Nem choveu onde eu passava o arado. Aí me deu uma dor na coluna. Aí eu falei esse ano que vem…Pronto, acabei com a criação. Chegava a cansar a outra perna. Vou ficar o quê? Inutilizado. Aí eu parei.

O Marcelo ontem fez 22 anos. Ele casou tem uns seis meses. Já eu quando tinha 22 anos eu nem pensava em casar. Casei com 27. Eu falava para meu pai toda vida, eu falava para dentro de casa toda vida. Meu pai tinha uma fazenda lá. Era 294 hectares de terra. Aí eu falava: “Aqui é nosso, todo mundo. Agora eu só vou casar o dia que eu tiver minha casa para mim morar.. Às  vezes, a gente fala assim; às vezes, um “fio” fazia uma casa no terreno dele. às vez, descontrolava com um irmão ou outro e se eu quisesse tinha que sair. E tendo o meu, era meu.

Quando eu comecei a lutar para adquirir uma coisa pra fazer o futuro tinha 22 anos. Com 26 anos de idade, eu comprei minha morada. Com um ano eu resolvi, casei. Muita batalha. Tô falando pra você que vendi até meu cavalo de andar montado.

CAPTURA DO MARRUÁ

Eu tenho animal ainda, ainda ando a cavalo. Se falar “vamos ali correr com um boi?”, ainda corro. Semana passada eu fui pegar um marruá (touro bravo) ali, peguemos na treta. Botou cachorro, aí o bicho amoitou. Botemos lá, ele caiu por lá, aí peguemos. Aí agora já botou em um carro e carregou (risos). Ainda dá para mexer.

Rio Antônio teve uma festa há poucos dias de carros de boi numa fazenda. Teve, parece, cento e tantos carros de boi. Devem ter tirado retrato desses carros de boi. Só sai os boi e os carros. Eu tinha um retrato de carro de boi. Tudo eu tinha, mas não sei aonde tá. Naquele tempo era difícil tirar um retrato.

Só vou em São Paulo às vezes. Eu tenho meus filhos, vou lá ver. As vezes fico oito dias, volto. Agora é os netos e filhos também. Menino meu, quando estava lá os três, adulou para mim vender um terreno, uma baixa aqui, para eu montar uma chacrinha para me mudar pra lá. Mas eu nunca gostei. Eu vou em São Paulo, mas fico pra lá três, quatro dias e volto. Agora tem uns três anos que eu passo meu aniversário lá. Todo mês de abri, no dia 25,l eu vou para passar o aniversário lá porque os menino gosta. Agora esse ano eu não vou não, o menino já está me cobrando (risos).

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 (*) Nas décadas de 1940 e 1950 surgiram programas escolas radiofônicas, cujas aulas eram transmitidas por emissoras de rádio. Em 1957, começaram os cursos básicos do Sistema de Rádio Educativo Nacional (Siren), patrocinados pelo MEC. No ano seguinte, 11 emissoras irradiavam as aulas que visavam erradicar o analfabetismo. Esse número saltou para 47, em 1961. Apesar do relativo sucesso, o sistema foi extinto em 1963. Já o Mobral foi criado com a proposta de alfabetização funcional de jovens e adultos. Criado em março de 1968, durante o governo do ditador Emílio Garrastazu Médice, durou 17 anos.

Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.

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