O boicote – Especial Ichu

O boicote organizado pelos grupos responsáveis pela fabricação de máscaras, alegorias e carros alegóricos e por foliões independentes à Lavagem da Igreja de Ichu reduziu o número de participantes nos principais concursos organizados pela prefeitura, mas não impactou na alegria e na beleza da que é uma das melhores e mais seguras festas do interior da Bahia.

A confusão começou em 2018 quando a Secretaria Municipal de Educação e Cultura decidiu atender uma demanda dos grupos e estipulou que as alegorias teriam tamanhos maiores – 10 metros por 3 metros – e comportariam mais componentes. Com isso, surgiram os carros alegóricos que não estavam previstos no regulamento.

“Os carros surgiram naturalmente, mas prejudicaram a festa e chatearam os participantes porque ficou subentendido que eles seriam incluídos na categoria alegoria, deixando muitas obras belíssimas fora da competição” – avalia a diretora geral da Secretaria Municipal de Educação e Cultura, Samira Ramos Fontes.

Na prática, os boicotadores alegam que o pior foi o fato de os jurados não terem cumprido o regulamento, premiando um veículo que quebrou no meio do caminho e não chegou ao ponto em que seria avaliado, além de bloquear a passagem de outros concorrentes. No caso de quebra, o que era previsto pois os veículos não poderiam ter soldas, a punição era a desclassificação. Em vez disso, o júri decidiu ir até o local da pane para avaliar o carro alegórico, que se tornou campeão.

Antônio Carlos Modesto, o Pepa, fabricante de máscaras e oito vezes campeã, acrescenta mais um componente para aumentar a revolta dos perdedores: algumas das alegorias do carro teriam sido compradas fora de Ichu, contrariando a determinação de que tudo tem que ser feito na cidade com material simples e vegetação da caatinga.

“É Nóis”

O grupo “É Nóis”, um dos cinco existentes na cidade, decidiu não participar dos concursos. Um de seus líderes Michel Almeida fez apenas uma fantasia de espartano para que seu filho João Vítor brincar.

Esta turma tem cerca de 30 integrantes, que costumam fazer máscaras para si próprio e por encomenda, de acordo com Samira. Ela, no entanto, diz não ter noção de quanto eles cobram pelo trabalho para terceiros.

Camisetas do É Nóis não foram usadas em 2019. Foto: Paulo Oliveira
Camisetas do “É Nóis” não foram usadas em 2019. Foto: Paulo Oliveira

Alan Almeida Nascimento, outro integrante do “É Nóis”, revelou que ano passado o grupo confeccionou 16 máscaras para participar de todas as categorias – adulto, juvenil e infantil -, além do carro alegórico com um índio que movimentava a cabeça e balançava um chocalho. O carro foi montado em uma plataforma e trazia esculturas de gorila, preguiça, tamanduá, cobra, pequena queda de água corrente e efeito especial de fumaça na fogueira.

O segundo lugar em alegoria não foi suficiente para minimizar a sensação de injustiça. Ainda mais porque um jurado não deu boa nota para uma das caretas por achar que ela era perfeita demais.

Rafael Carneiro, filho de um veterano nas disputas e parceiro de Michel e Alan, diz que os jurados não têm conhecimento do processo de fabricação das máscaras para cumprir com eficiência a missão que lhes é dada. Ele conta que uma avaliadora não considerou sua obra artesanal porque o rosto da caveira com uma águia pousada sobre ela estava muito lisa:

“Apliquei silicone para deixá-la perfeita. Mesmo assim perdi” – revolta-se.

Rafael também ficou inconformado porque o carro alegórico do grupo, considerado favorito, recebeu nota seis no quesito animação.

“Não participo mais” – diz enfático, apesar do “É Nóis” ter anunciado que volta no ano que vem.

Independente do boicote, os integrantes do grupo foram à praça este ano, levando os filhos e apreciando as obras dos outros participantes do concurso.

SOBROU ATÉ PARA O VENCEDOR

Pivô involuntário da confusão, Henrique Sanches, 28 anos, acabou sofrendo consequências pela vitória nas três categorias de máscara e na de alegoria/carro alegórico. De acordo com seu pai, Edson, o jovem foi acusado de favorecimento político e uma vereadora chegou a jogar cerveja nele.

“Sempre se cria confusão e em cidade pequena tudo envolve política, embora sejamos oposição ao gestor atual. Essas coisas deixaram meu filho contrariado e ele resolveu não participar este ano. No entanto, os organizadores pediram para ele dar continuidade ao trabalho que rendeu nove prêmios em três anos. A insistência foi tanta que Henrique resolveu fazer uma máscara, uma alegoria e uma carroça alegórica na véspera da competição” – conta o pai.

O boicote impediu a construção de carros alegóricos este ano. Foto: Paulo Oliveira
Só um carro alegórico foi produzido este ano. Foto: Paulo Oliveira

Édson também minimizou a atitude da vereadora, definindo-a como “animosidade alcóolica”.

Mesmo trabalhando às pressas, Henrique e sua turma ganharam prêmios em duas categorias este ano. A carroça “Mutação do Duende” foi a única inscrita na categoria carro alegórico, criada este. O outro prêmio foi o segundo lugar em alegoria com “O Anjo Protetor Elimina o Mal”. Só duas competiram.

Em 2018, o grupo de Henrique faturou 4.000 reais em prêmios, mas gastou 4.800 na confecção das fantasias e alegorias. Mesmo com prejuízo, alugaram um local com piscina e comemoraram as vitórias com um churrasco.

GESTOR

Passada a confusão, o secretário municipal de Educação e Cultura, Carlos Herivelton Coelho dos Santos, o Veto, responsável pela organização do lado profano da Lavagem, admitiu que a decisão de não ter permitido solda nos carros pode ter dado origem à confusão. Ele reconheceu que não tinha conhecimento sobre a fabricação dos veículos e que a decisão foi prejudicial porque provocou a quebra dos carros alegóricos. No entanto, disse que sua missão é aperfeiçoar os mecanismos que farão a festa ganhar mais projeção.

“Nesse ano, abrimos geral. Permitimos rodas e solda e criamos a categoria carro alegórico, que dá o maior prêmio – 1.500 reais”

No novo regulamento, os veículos podem ter até três componentes para facilitar a locomoção. A quebra resultará na perda de 10 pontos e caso tenha como consequência engarrafamento ou engavetamento haverá redução de mais 20 pontos, em vez de eliminação.

Outra preocupação de Veto é que o aumento da premiação em dinheiro acirre a disputa e se transforme em provocações em eventuais agressões. Para evitar isto, a secretaria mobiliza o efetivo da guarda municipal e pede reforço às polícias militar e civil. Outra providência foi incluir no regulamento que desacato, tentativa ou consumação de agressão aos organizadores e jurados elimina o concorrente, suspende a pessoa ou o grupo a que ela pertence por um ano e resulta em processo.

Veto se queixa ainda da falta de colaboração dos comerciantes da cidade. Apesar de gastos estimados em 8.800 reais só com a premiação, sem contabilizar despesas de estadia, transporte e alimentação da banda e dos jurados de outras cidades, os custos com a decoração da cidade e infraestrutura, em 2017, os comerciantes colaboraram com apenas 120 reais.

Sobre a mudança da Lavagem para o sábado, reivindicação de muitos foliões, Samira Fontes acredita ser difícil atender:

“É complicado a gente mobilizar nosso pessoal todo para trabalhar em um dia de sábado. São mais de 30 pessoas na rua. Sem falar que o sábado é preenchido pelos blocos particulares que vendem camisas” – alega.

A população, no entanto, acredita que os benefícios trazidos por turistas e ichuenses que moram em outras cidades serão maiores. Assim como lutaram para manter a Lavagem em diversos períodos da história. Acabarão encontrando uma solução para esta questão.

Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.

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