A gruta de Aparecida

O ônibus entra em Condeúba, a 150 km de Vitória da Conquista, no sudoeste baiano. No caminho até a agência da Viação Novo Horizonte, diante da igreja matriz de Santo Antônio, passa por uma construção de pedras com uma coroa de zinco fincada em uma haste presa ao teto. A gruta chama a atenção de quem está na cidade pela primeira vez e traz em si uma história muito interessante, que nos é contada pelo mestre de obra Anfilófio Antonio de Sousa, o seu Filó, 84 anos, integrante da Irmandade do Santíssimo Sacramento.

Tudo começou no início dos anos 1970. com uma ideia do padre Vítor Coelho de Almeida.

Segundo filho de Leão Coelho de Almeida e Maria Sebastiana Moreira, Vítor foi um guri muito levado. Aos 7 anos, ele esteve à beira da morte por causa de problemas pulmonares. A tuberculose ameaçou sua vida em duas outras ocasiões – aos 22 e aos 41 anos.

Órfão de mãe desde os oito anos Vítor, foi internado no Colégio Redentorista Santo Afonso, em Aparecida (SP). Depois, entrou para o seminário e foi ordenado em Gars am Inn, na Alemanha. Em 1949, sem um pulmão e curado de pneumonia, o religioso foi trabalhar no santuário de Nossa Senhora e incentivou a fundação da rádio Aparecida.

Foi na emissora, onde permaneceu por quase duas décadas, que idealizou o concurso para atrair sócios para a rádio. Em 1972, anunciou que a cidade baiana que angariasse maior número de associados ganharia uma réplica da imagem de Nossa Senhora Aparecida. Acrescentou ainda que a entrega contaria com a apresentação de músicos da rádio e a presença de bispos e padres.

“E assim aconteceu. Condeúba reuniu 368 sócios, que passaram a fazer doações mensais, e ficou em primeiro lugar” – conta seu Filó.

MOBILIZAÇÃO

O padre brumadense Homero Leite Meira, que chegou a Condeúba após a cheia do rio Gavião devastar a cidade em 1968 e intercedeu junto ao papa João XXIII para ajudar na reconstrução das moradias, ficou agitado com a premiação.

Meira confidenciou a Anfilófio que não gostaria de colocar a imagem na igreja matriz de Santo Antônio nem em uma capela, pois acreditava que desta forma a entrega não teria muita repercussão.

Resolveu, então, tomar duas providências: pedir um terreno ao prefeito da época, Antônio Terêncio, e chamar seu Filó para construir a gruta.

Seru Filó é devoto de Aparecida desde criança por influência da família. Foto: Paulo Oliveira
Seu Filó é devoto de Aparecida desde criança por influência da família. Foto: Paulo Oliveira

Com o político, obteve uma área pouco acima do terreno onde no passado existia um cemitério. O filho de Filó, Antônio Alves de Sousa, conta que quando chovia, as águas revolviam a antiga necrópole, deixando à mostra cadáveres e caixões, o que atiçava a curiosidade dos alunos de um colégio nas proximidades. No futuro, o local seria pavimentado.

Faltando 60 dias para a chegada da comitiva, o futuro bispo de Itabuna e de Irecê, convidou Anfilófio para ir até Vitória da Conquista, sem dizer o motivo. Visitaram o pátio do Colégio das Sacramentinas para ver a gruta ali existente.

“Quando eu cheguei, olhei e falei assim: ‘Essa gruta sua é muito pequena’. Aí, o padre disse para irmos embora e mandou eu fazer uma planta do jeito que eu achasse melhor. Disse ainda que eu pedisse ajuda para concluir a obra no prazo” – recorda o mestre de obra.

Padre Homero garantiu o pagamento dos seis pedreiros e ajudantes que trabalharam na construção. As pedras foram doadas pelo Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS). O cimento foi obtido através de doações. Por determinação de Filó, a cinta de cobertura foi feita com uma tela de ferro e as paredes possuem um metro de espessura.

Na data acertada para a entrega da imagem, em 13 de junho de 1972, a comitiva do padre Vítor, que incluía religiosos, músicos e dois bispos (Dom Climério Almeida de Andrade, de Vitória da Conquista; e Dom Frei Silvério Jarbas Paulo de Albuquerque, de Caetité) encontrou a gruta pronta. O grupo foi recepcionado por cerca de 10 mil pessoas, vindas Bom Jesus da Lapa, Feira de Santana, Caculé (BA) e Santo Antônio do Paraíso (MG). Naquela data também se comemorava o dia de Santo Antônio, padroeiro da cidade.

Com a gruta enfeitada de bandeirolas, o religioso de Aparecida entregou a imagem para o padre Homero, que a recebeu de joelhos, conforme mostra a foto afixada em uma das paredes da lapa construída com a orientação de Anfilófio.

“Foi muito discurso. Teve música e celebração na Igreja Matriz. Uma festa muito bonita” – recorda.

Padre Vítor ainda passou três dias em Condeúba, cuja população de católicos chega a 86,8%. Ele ajudou Homero nas celebrações, nos sermões e anotou o nome de outros interessados em se tornar sócios da rádio Aparecida.

Antes de partir, o redentorista sugeriu ao pároco local que a Irmandade do Santíssimo Sacramento ficasse responsável pela arrecadação mensal do dinheiro que os fiéis enviariam para a emissora. Seu Filó foi encarregado de fazer o recebimento e entregar os recibos para moradores da cidade. Cumpriu a missão durante 36 anos.

Em 2008, o então padre de Condeúba, Osvaldino, sugeriu que Anfilófio consultasse o povo para saber se as doações não poderiam ser revertidas para a igreja local.

“Ele falou que precisava do dinheiro para fazer outros trabalhos. Respondi que muita gente não deixaria de mandar as contribuições para Aparecida, o que de fato ocorreu. Desde aquela época, deixei de arrecadar e entregar os recibos. Atualmente, os sócios mandam por conta própria pelo banco”, conta Filó, devoto de Nossa Senhora por influência da família.

A COROA

Com o passar do tempo, a festa de Nossa Senhora de Aparecida, que se inicia com o novenário no dia 3 de outubro, ganhou mais prestígio que as demais comemorações religiosas de Condeúba, incluindo os festejos do padroeiro. Em 1992, seu Filó decidiu incrementar: construiu uma coroa de zinco no quintal de casa e a fincou no telhado, dando mais imponência à gruta.

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Não era sua primeira inovação. Na época da construção, construíra um aquário na parede, próximo ao local onde estava a santa. Instalara uma caixa d’água e pedira aos pescadores da região peixinhos coloridos. Eles circulavam entre a caixa e a tubulação que levava ao aquário.

“Padre Vítor gostou muito” – diz.

Os dias passaram, o vidro rachou, a água derramou e nunca mais encheram o reservatório de peixes ornamentais. Esse não seria o único infortúnio.

Antônio de Souza, filho do mestre de obra, conta que por volta de 1980, ladrões roubaram o cofre de esmolas. Retiraram o dinheiro e jogaram a pequena caixa-forte em uma lagoa, onde o objeto foi encontrado por um pescador. Também furtaram a coroa da imagem da réplica trazida de Aparecida do Norte (SP), pensando se tratar de uma peça de ouro.

A igreja resolveu guardar a estátua de madeira de Nossa Senhora da Aparecida na Matriz e colocar outra na gruta. Outra providência foi a colocação de grades de ferro nas laterais da furna. Em torno dela, já havia a murada instalada pelo então prefeito Dario Lima.

Padre Vítor Coelho de Almeida morreu no dia 21 de julho de 1987, aos 87 anos. Desde 2012, ele é homenageado pelo Santuário Nacional de Aparecida com uma romaria que leva o seu nome. Seu processo de beatificação está em análise no Vaticano.

Padre Homero Leite Meira se tornou o primeiro bispo de Itabuna. Posteriormente, foi nomeado bispo de Irecê (1980), onde renunciou três anos depois por problemas de saúde. Organizou o movimento de Renovação Carismática Católica, em Caetité, onde morreu em maio de 2014, aos 84 anos.

A festa de Nossa Senhora da Aparecida está em sua 46ª edição. Na próxima sexta-feira (dia 12 de outubro), são esperados cerca de dois mil fiéis. Seu Filó garante que estará entre eles.

Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.

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6 respostas

  1. Boa noite, Paulo Oliveira!
    Excelente narrativa. Esse trabalho enobrece a obra de construção da gruta de Condeúba- BA feita por meu pai, Anfilófio Antonio de Sousa. Grande oportunidade para quem a conhece e não sabe dessa história, a exemplo dos netos de meu pai.
    Parabéns!

  2. Meu caro jornalista, parabéns pela matéria!!!! Condeúba agradece pela sua disponibilidade em enaltecer sua história. Seu trabalho é sinal de que a cultura não está morta, mas que vive nas boas histórias contadas pelo povo sertanejo do nosso Nordeste.

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