Pedra encantada

Meteorito do Bendegó, a Pedra do Fim do Mundo

Rosana Carvalho Paiva, a partir das histórias orais coletadas em Monte Santo, nas comunidadesde Acaru e São Pedro (*)

Um vaqueiro encontrou a pedra no sertão do Bendegó. Estava atrás de um boi que desgarrou e fugiu. O vaqueiro foi atrás e lá estava ela em um buraco enorme. Foi uma estrela que caiu do céu e se apagou. Uma pedra toda feita de ouro por dentro e negra por fora. E era encantada. Encantada como os bodes de outro, os galos de ouro e as correntes de ouro que aparecem de noite no cume das serras.

Era feita de um metal que não existe em canto nenhum da Terra. Foi dar no mundo toda a notícia daquela pedra que caiu do céu. Veio gente de várias partes do mundo para olhar. Vieram os cientistas e os engenheiros para descobrir do que era feita e decidiram levar ela para Salvador da Bahia.

Deram ordem nos escravos para carregar a pedra e a carregaram, mas chegou num lugar que a pedra não quis mais ir. Ela não queria ir embora então rolou e caiu no leito de um rio que nesse dia estava cheio porque tinha dado trovoada. E ficou ali por cem anos, e os avôs e avós das avós e dos avôs da rama mais jovem viram a pedra que era de ouro puro caída ali e não tinham quem fosse capaz de tirá-la de lá.

Levou cem anos até que o rei do Brasil soube da pedra e ficou curioso. Ele sabia que ali era uma riqueza muito grande. Ele veio para levar ela embora para ser guardada no palácio dele no Rio de Janeiro. Foi Dom Pedro II. Ou foi ele o primeiro a tentar levar a pedra e foi aí que ela caiu no leito do rio? A história pode ser uma ou outra, mas ela caiu e não havia tanto escravo e tanto animal, tanto boi, tanto cavalo, que juntando tirasse ela de lá.

O rei pediu ajuda pro coronel João Cordeiro e Ioiô mandou os cativeiros dele, os avôs dos avôs do ramo mais jovem do Acaru e do São Pedro para ajudar, junto com os cativeiros de Dom Pedro. Ele e os engenheiros não faziam força, só davam ordens pros escravos. E eles não conseguiam tirar ela do fundo do leito do rio por mais força que fizessem. Mas a pedra se encantou. Se encantou e levantou sozinha e flutuou e caiu em cima do carro de boi. Dom Pedro II no cavalo, ao lado, não conseguia acreditar. A pedra flutuou sozinha no ar.

E Dom Pedro II, a pedra no carro de boi e os cativos dele passaram pela estrada que vem de Uauá, passaram atravessando o São Pedro e o Acaru até a rua, até dar no Monte Santo. E dali até Queimadas e de Queimadas pegaram o trem para o Rio de Janeiro, igual os soldados de Canudos, vieram pelo trem de Queimadas e os que sobreviveram foram embora pelo mesmo trem.

Ou a pedra ficou no Monte Santo mesmo e até hoje está no Museu do Sertão e não pode sair dela? A pedra está no Monte Santo, de onde nunca pode ser tirada porque está no pé do Monte da Santa Cruz e dali nunca pode ser tirada porque se tirarem de lá acaba tudo isso aí, tudo que a gente consegue ver ao redor.

Essa é uma história do tronco velho, tem uma nova história para cada rama. A pedra foi levada para o Rio de Janeiro e o rei colocou ela dentro da casa dele de tanto que ele gostou.

A pedra é uma estrela que caiu do céu e é toda de ouro por dentro.

É encantada.

É feita de um metal que não existe em canto nenhum do mundo.

A Pedra de Bendegó não pode ser destruída nunca porque se um dia isso acontecer, o mundo acaba junto com ela.

–*–*–

(*) Texto escrito a partir de histórias orais de Monte Santo, Bahia, nas comunidades São Pedro e Acaru, onde a autora realizou estudos e pesquisas. Ele se refere à Pedra do Bendegó (único?) artefato sobrevivente ao incêndio que destruiu o Museu Nacional, no dia 2 de setembro de 2018.

Leia também: Sertão quer a pedra de volta

(**) Foto do alto: Rescaldo do incêndio no Museu Nacional.  Márcio Alves/Agência O Globo

Rosana Carvalho Paiva é formada em ciências sociais pela Universidade Federal da Bahia, onde também concluiu mestrado em antropologia. Atualmente é doutoranda em antropologia social pela Universidade Federal do Amazonas.

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