O glorioso Humaitá

O ‘forte’ Humaitá, clube que lembra uma das passagens da Guerra do Paraguai e se destaca no São João de Barra (BA), foi fundado pela família Meira Lima, no bairro Nossa Senhora do Rosário, em 1896. Ele é mais novo quatro anos do que o Curuzu, a primeira agremiação da cidade.

Francisco dos Santos, o Chiota, funcionário aposentado do Banco do Brasil e nove vezes presidente do clube que era representado pela cor branca e, posteriormente, adotou o verde e amarelo, tem importante participação nas festas juninas municipais. Ele é mestre fogueteiro, produtor dos busca-pés que animam e colorem o festejo e responsável por diversas inovações com relação à confecção dos fogos. Disso, falaremos mais adiante.

Chiota mostra foto de antigo desfile de sua agremiação. Foto: Paulo Oliveira

O ex-presidente conta que no início dos tempos, Humaitá e Curuzu conviviam pacificamente. Desfilavam juntos e cada agremiação subia no palanque da outra, montado em frente as suas sedes, para cantarem seus hinos e ‘tocar’ busca-pés.

Nos anos 1930, a amizade se transformou em rivalidade porque, na versão de Chiota, o Curuzu impediu que o Humaitá subisse em seu palanque. A partir daí, quando se encontravam, guerreavam com busca-pés. Quem parasse o fogo primeiro, perdia a batalha.

Chiota, que ganhou o apelido do tio que trabalhava com uma família japonesa com este sobrenome porque era gordinho e tinha os olhos puxados, diz que nestas batalhas as duas agremiações ‘tocavam’ os fogos, se peitavam, mas não miravam os busca-pés uns nos outros.

Este tipo de confronto permaneceu até o fim dos anos 1950, quando ocorreu a maior batalha da história de Barra.

A maior batalha da história.

É importante ressaltar, que entre 1941 e 1949 não houve desfiles. O motivo principal, segundo Chiota, foi a dificuldade em se obter a matéria-prima para a fabricação da pólvora por causa da II Guerra Mundial.

Quando os desfiles retornaram, rivalidade continuava. Em uma das disputas, uma pessoa morreu pisoteada e foi decidido que não haveria mais batalhas.

MULHERES NA LINHA DE FOGO

Hoje, o máximo que acontece, segundo o ex-presidente são queimaduras. Muitas vezes por imprudência dos ‘soldados’, que soltam os fogos bêbados.

“A alça da lata onde carregam os busca-pés normalmente é colocada em um dos ombros. Se por acaso cair uma faísca de busca-pé, pega fogo, então você empurra e está livre do recipiente.  O cara bêbado põe a alça na diagonal. Na hora, ele não tem condições de se desvencilhar do material e acontece acidente. O problema que um ou outro bebe além da conta antes do desfile. É para aumentar a adrenalina” – relata.

Alan e Chiota, mestre fogueteiro e ex-presidente do Humaitá. Foto cedida por Alan Kleber

Chiota nunca desfilou na linha de fogo. Como presidente ou diretor, sempre teve funções administrativas. No entanto, seu filho Alan Kleber, ex-vice-presidente do Humaitá e ex-integrante da cavalaria, participou da linha de fogo por muitos anos.

Alan conta que cada ‘soldado’ tem casaco e calça comprida de brim resistente – já se pensou em utilizar tecido antichamas, mas o preço inviabilizou a ideia; luvas de couro e camurça – esta é menos resistente e costuma ter sua costura estourada pelos fogos – e capacete.

Conta ainda que eles carregam uma lata com capacidade para 20 busca-pés e que têm soldados que gostam de utilizar a capacidade total para não perder tempo reabastecendo:

“O reabastecimento é feito por um carro, que segue numa rua paralela, levando os busca-pés, justamente para evitar acidentes. A lata cheia é muito pesada e machuca muito, mas há quem não queira ficar reabastecendo” – diz Alan.

A linha de fogo é a ala que dá mais prestígio para quem desfila. Além disso, o ‘soldado’ é mais assediado pelas jovens que participam do evento. Advogados, administradores, pessoas de todas as profissões se alistam na ala, onde os mais experientes se esmeram em manobras como pegar a chama de outro colega e cabriolas.

“Posso resumir o ‘soldado’ em duas palavras: louco e corajoso” – resume Alan.

O Humaitá foi o primeiro clube a permitir a presença feminina na linha de fogo. Isto ocorreu na década de 1950, quando Amandinha e Lindolfina começaram a ‘tocar’ busca-pés no São João.

“Foi algo assombroso no início. Hoje, temos muitas mulheres ‘soldadas’. Uma delas, a Claudinha Perigo, é a que mais se destaca. Essa todo mundo fica olhando para ver o malabarismo que ela faz” – acrescenta Chiota.

Claudinha Perigo

O clube verde-amarelo também foi o primeiro a introduzir carros alegóricos nos festejos. O Barão de Cotegipe, o Barão Vila da Barra e Visconde do Bom Conselho, nascidos em Barra e proeminentes figuras do Império, estão entre as personalidades homenageadas nessas alegorias.

INOVAÇÕES

O ex-presidente do Humaitá é o responsável por diversas inovações, principalmente, no que diz respeito aos busca-pés. Em 1984, Chiota tomou posse como presidente pela primeira vez. Demoliu a antiga sede do clube e construiu a atual.

No ano seguinte, começou a ter dificuldades para encontrar taboca (taquara) para fazer o busca-pé. Na região, estava extinta. Nem mesmo em Formosa do Rio Preto havia material suficiente. Um dia na sala de telex do Banco do Brasil, encontrou a solução: os tubos de papelão das bobinas de papel eram adequados para os fogos. Encomendou milhares deles em uma fábrica paulista.

A sede do Humaitá. Foto: Paulo Oliveira
A preparação do arsenal

Outras inovações vieram: trocou a marreta de socar pólvora por martelete, a corda de sisal por barbante de algodão e passou a utilizar a galga (uma espécie de moinho) na produção da pólvora, o que fez aumentar consideravelmente a produção.

JURADOS E PRÊMIOS

No início da década de 2000, a prefeitura de Barra decidiu implantar concurso para decidir qual a agremiação que melhor se apresentou durante o São João. Segundo Chiota e Alan, a iniciativa não chegou ao quarto ano, pois se percebeu que havia manipulação do resultado.

“O melhor é o boca-a-boca. No dia seguinte, os torcedores comentam os desfiles, sempre elogiado seu clube e criticando os outros. É zoação como acontece com o futebol” – avalia Alan.

Normalmente, o desfile começa 21 horas e termina às duas horas da manhã. Nos últimos anos, a ordem de apresentação foi definida pela prefeitura: Riachuelo, Curuzu e Humaitá. Segundo Alan, o clube fica por último por ter maior tradição de fogo, de linha de fogo, o que faz aumentar a expectativa da plateia.

A agremiação também se vangloria de ter dois hinos: o de rua e o de palanque. Os adversários teriam apenas o segundo

Os fortes, normalmente desfilam com a seguinte disposição de alas: linha de fogo, cavalaria, banda, ala feminina e carros alegóricos. O último é o carro da rainha. Ano passado, fizemos um carro homenageando o cinquentenário da cidade gaúcha de Barão de Cotegipe, e o bicentenário de nascimento do Barão de Cotegipe, filho da Barra. Cotegipe é um dos autores da Lei dos Sexagenários, que libertava pessoas escravizadas com mais de 60 anos. Apesar disso, era contrário ao fim da escravidão no Brasil.

A agremiação verde-amarela espera contar com 500 integrantes no São João deste ano. Só a linha de fogo conta com cerca de 100 ‘soldados’.

Chiota é outro dirigente que defende o tombamento dos clubes e da festa pela prefeitura. Ele também diz ser insuficiente a verba de subsídio (R$ 30 mil), pois os gastos são superiores a R$ 40 mil.

Outra preocupação da diretoria do clube é com a renovação de seus integrantes. A forma que escolheram para atrair os jovens é colocando vários deles na diretoria

“Desde os anos 80, o São João ocorre de forma ininterrupta. Mas tenho uma preocupação muito grande em preservar essa cultura. Minha vontade é de ver o São João acontecer, sem a preocupação de ser bairrista. Sou Humaitá desde criança, mas para mim o mais bonito é todos os clubes desfilarem para atrair mais turistas para Barra, onde a festa é sui generis. Minha preocupação é que não aconteça com o São João, o mesmo que ocorreu com a marujada e a roda de São Gonçalo, extintas na cidade e que ocorrem muito esporadicamente na zona rural” – avalia Chiota.

 

Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.

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