Seu Guilherme

Para entender o sertão e seu modo de vida é preciso conhecer seu Guilherme, 93 anos, de Casa Nova dos Marino, no povoado quilombola de Laje dos Negros, em Campo Formoso (BA). Sem contextualizar  história e  cultura, sem escutar o nonagenário e tantas outras pessoas que ali moram, perderemos o legado das 23 comunidades que formam Laje dos Negros.

Eu e o jornalista carioca Paulo Oliveira – editor do site Meus Sertões que veio à comunidade de Laje dos Negros a convite da Pastoral da Juventude Rural para ministrar uma oficina de comunicação – saímos, na tarde quente do dia 10 de abril, caminhando nesta comunidade de difícil acesso. A história que contarei poderia ter passado despercebida, poderia… Caminhávamos sem pretensão nenhuma.

No quintal,  sol já quase baixo, uma sombra chamava atenção naquele lugar pacato onde a vida anda lenta. Lá estava um senhor imponente em uma cadeira de plástico que lembrava um trono. Talvez estivesse pensando na vida de outrora e nas suas peripécias que não voltam mais.

Seu Guilherme, em Casa Nova dos Marino

Aproximei-me dele, e, ele me convidou para sentar. Disse o seu nome e perguntou:

“Que mal lhe pergunte, qual sua graça?”

Depois de um inicio de conversa, uma aproximação para reconhecer território, me dirigi a Paulo, que tinha seguido adiante. Chamei-o para conhecer aquele homem e conhecer um pouco de sua história.

Seu Guilherme nos contou que trabalhou numa linha férrea, em um trem que cortava quase toda a Bahia, lá pros idos de 1947.  Virou ferroviário por causa do pai, que também trabalhava na Leste. Também foi garimpeiro. Ganhou e gastou muito dinheiro com mulheres e nos cabarés daquela época.

Seu Guilherme teve uma vida boêmia. Revelou que teve 80 mulheres, a atual, a qual ele chama de “queima-feijão” é a 81ª.

Perguntamos ao ex-ferroviário por que ele chamava a sua esposa pelo estranho apelido. Segundo ele, “queima-feijão” é uma mulher que serve somente para cuidar, cozinhar e ficar ali zelando por ele. Ela não é a mulher  de casamento, com direito igual a outras, na cultura local.

Segundo o nonagenário, ele veio atrás da companheira atual por indicação de um amigo, que morava da cidade Pindobaçu, perto de Campo Formoso.  O parceiro disse que em Laje dos Negros havia uma mulher solteira, precisando de homem. Sem conhecer a jovem, ele foi buscá-la.

Nas comunidades que formam Laje, durante muitos anos, foi considerado natural os pais entregarem as filhas aos homens que vinham de fora (essa cultura ainda é comum) e está a ligada a fatores como as condições de vida, incluindo pobreza. Acredito que este seria o principal motivo.

Perguntamos a seu Guilherme, se algum dia ele amou alguma dessas 81 mulheres de sua vida. A resposta foi sábia:

“Amo a mulher que está do meu lado, que cuida de mim”.

A história de seu Guilherme poderia ter sido esquecida no tempo e depois morrer. Claro que saímos dali sem entender algumas coisas, mas com a certeza de que todos têm uma história para contar.

As pessoas de alguma forma  querem ser ouvidas. Naquela tarde, eu e Paulo ouvimos uma história de uma pessoa simples que nos deixou cheios de interrogações.

Nascido em Teixeira de Freitas (BA), Joabes R Casaldáliga, aos 10 anos, participava das reuniões das Comunidades Eclesiais de Base. Era levado pela mãe, adepta de religião de matriz africana, que ia aos encontros para discutir os problemas da comunidade em que moravam, em Itamaraju. Cresceu entre o sincretismo, cantos, rezas, benditos, incelenças e a luta pela reforma agrária. Sua vida foi marcada por um encontro com José Comblin, padre que lançou as bases da Teoria da Enxada. É fotógrafo, comunicador popular e integrante da Pastoral da Juventude Rural.

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