‘A seca não é castigo de Deus’

Padre José Alberto Barbosa Gonçalves está na paróquia de Canudos há quatro anos. Depois de se formar em teologia e filosofia no seminário em João Pessoa, foi padre em Glória, cidade atingida pelas barragens de Moxotó e Itaparica, e na periferia de Paulo Afonso. Nascido em Uauá, conhece muito bem a região em que atua. O religioso lembra que no passado, nos períodos de seca, muita gente morria, e atribui a mudança desta realidade aos programas de convivência com a seca, implantados por ONGs, sindicatos e entidades civis, com o apoio de governos anteriores ao de Michel Temer. Daqui para frente diz não sabe o que acontecerá, pois vê o Estado com atuação meramente arrecadadora.

“A proposta de Antônio Conselheiro nos compromete a um modelo de sociedade a qual os pobres não devem somente ser assistidos. Os pobres devem ser protagonistas.  Quando se tornam protagonistas aprendem a conviver com a seca, não dependem do carro-pipa ou da bolsa-estiagem”.

Em entrevista exclusiva para o site Meus Sertões, padre Alberto fala da falta de política públicas adequadas para a região. E avalia criticamente o papel da Igreja Católica:

“Ainda há uma forte tendência da igreja do conservadorismo, onde somente incenso e grandes celebrações bastam”.

Quando o senhor veio para Canudos qual foi a estratégia que o senhor adotou para lidar com as particularidades dessa região?

Antes de ir para o seminário já existiam iniciativas como a do IRPAA (Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada), que começava a me dar outra consciência. Nos cursos de formação que eu participava, diziam que a seca não é um castigo de Deus. Isso me deu um estalo grande na mente e me custou algum tempo para absorver. Com os estudos da Teologia da Libertação, fazendo um paralelo com a visão de Deus e os estudos que eram feitos a partir das romarias de Canudos, eu fui mudando o conceito. Quando eu vim trabalhar diretamente em Canudos tinha alguns conceitos modificados, sobretudo o que diz que o problema do sertão não é a seca. Temos que conviver com ela, não combatê-la.

Primeiro, estamos numa região em que o bioma caatinga, tipicamente brasileiro, não está morto. Ele dorme. Aprendi que o bioma catinga, suas plantas, o seu povo, o seu jeito de viver é algo extraordinário. Toda a capacidade de as plantas guardarem água. O umbuzeiro, chamado por Conselheiro de árvore sagrada do sertão, absorve uma quantidade de água interessante para se manter viva e produzir o umbu. As plantas de raízes profundas como a caraibeira e o angico resistem por causa da quantidade de água existente no subsolo, em regiões como o Raso da Catarina.

Como Canudos e Antônio Conselheiro contribuíram para a formação da mentalidade que é preciso conviver com a seca?

O que tenho de forma orgânica é que a comunidade de Belo Monte, de Antônio Conselheiro, se instalou aqui em 1893 com aproximadamente 700 pessoas. Acolhendo os deserdados das grandes secas, inspirado nas ideias dos padres Cícero e Ibiapina, ele e seus seguidores construíram cisternas em mutirão, fazendo um trabalho de conscientização de que se convive com a seca. E Canudos, no período entre 1893-1897, abrigou em torno de 20 mil, 25 mil pessoas. Foi a segunda cidade da Bahia. O que motivava este povo? Claro que tem um lado messiânico, um lado de fé. É como Alexandre Otten coloca no livro Só Deus é Grande, a mensagem religiosa de Antônio Conselheiro. A motivação de Canudos era a fé, mas tinha a proposta de vida digna. Como é que Canudos, com todo esse cenário que o senhor está vendo, conseguia exportar couro para outros países? Como Canudos obtinha alimento para toda essa gente? Como Conselheiro e sua equipe conseguiram criar uma proposta de convivência com a seca e ao mesmo tempo garantir o modelo de socialismo rural que incomoda as elites?

Por outro lado, contestava-se a lógica do latifúndio. Nessa região dominada pelo Barão de Jeremoabo, Conselheiro conseguiu fazer uma reforma agrária de fato. Eu não vou pintar que a comunidade de Canudos era perfeita, porque não existe uma sociedade quimicamente perfeita, pura. Mas aqui se implantou, em quatro anos, um modelo de vida digna, de convivência com o clima semiárido e com o bioma caatinga, que, de fato, gera o espanto das elites. Como é que um bando de sertanejos vem para um lugar como esse, encontra um rio temporário e aí consegue de forma criativa, organizada, desenvolver uma economia solidária? A grande contribuição que Canudos dá, inclusive às ONGs e cooperativas, como o IRPAA e a Coopercuc, nasceu com as romarias em 1987.

Como surgiram as romarias?

Após a guerra, em 1897, devido à uma pressão do governo, os jornalistas eram proibidos de vir aqui. Havia uma ideia reacionária e conservadora, criada com a colaboração da Igreja – depois, parte da Igreja se redimiu com as romarias. A ideia era a de que Conselheiro e sua gente provocaram tudo. Os que perderam seus filhos, seus parentes na guerra, culpavam o modelo de convivência de Conselheiro. Com a vinda do professor José Calazans, que veio ouvir os remanescentes, diferente de Euclides da Cunha, que diz o que vê, o que sente, mas não tem a preocupação de ouvir o lado dos vencidos. A vinda de Calazans estimulou jornalistas a conhecerem Canudos. Com isso, na efervescência da Teologia da Libertação, no período pós-militar, com trabalho das dioceses de Rui Barbosa, Juazeiro, Bonfim e Paulo Afonso, com a retomada dos sindicatos, o trabalho de resgate da reforma agrária, as pastorais sociais, o discurso muda e passa a ser “temos que nos recuperar”.

Na minha concepção a história ficou muito congelada em 1897 e começou a descongelar 90 anos depois com as romarias. Se a gente considerar a colaboração do professor José Calazans, começa também a descongelar com ele. Mas de forma mais popular, com a participação dos movimentos sociais, o degelo iniciou em 1987, quando ocorreu a primeira romaria com o intuito de resgatar a verdadeira história e a memória dos vencidos. Em 1993, no primeiro centenário da chegada de Conselheiro surge o Instituto Popular Memorial de Canudos com o intuito de preservar e atualizar a história. (Nota da redação: o Instituto e a Paróquia de Santo Antônio são os realizadores da romaria, com o apoio de parceiros).

O instituto faz parte da igreja?

Tem ligação. Sua fundação tem caráter ecumênico. Seus fundadores são ligados à Igreja Católica e a outras expressões religiosas: espíritas, evangélicos. A influência católica se deve às romarias. Elas também têm caráter ecumênico. Romarias não são para pagar promessas. Todo ano trazemos um tema. Em 2016, o tema da Campanha da Fraternidade foi a “Casa Comum – o mundo em que vivemos é uma casa para todos”. Nós refletimos na romaria “Canudos uma experiência de vida e natureza sustentável”, o lema foi “Só Deus é Grande e Misericordioso”, pois era o ano da misericórdia. Em 2017, vamos debater a questão dos biomas, a cada ano vamos atualizando.

Como os temas são definidos?

São feitas cinco ou seis reuniões com diferentes atores incluindo o IRPAA, a Coopercuc (Cooperativa Agropecuária Familiar de Canudos, Uauá e Curaçá), a Uneb (Universidade do Estado da Bahia) e poder público. Claro que anos anteriores conseguíamos mais atores. Como estamos vivendo tempos difíceis, de uma certa inércia, a participação diminuiu. Nós continuamos celebrando a romaria. Ela não é para atrair grande público. É para atrair a militância, pessoal das ONGs, das Comunidades Eclesiais de Base, dos sindicatos, estudantes, jornalistas, pesquisadores. Tanto é que temos um espaço de reflexão durante a romaria chamado a mesa redonda, em que trazemos pessoas inseridas no contexto da convivência com o semiárido para debater. Na parte final da romaria, celebramos isso.

A romaria dura quantos dias?

São dois dias, sábado e domingo. E ela ocorre no terceiro final de semana de outubro. No primeiro dia, temos o desfile das escolas do município e do estado, o debate com pesquisadores e a noite cultural com artistas da região. No domingo é a caminhada. A caminhada é feita geralmente no Parque Estadual de Canudos, mas dependendo do tema pode mudar de lugar. (Nota da redação: No parque estão demarcados os locais da Guerra de Canudos).

Qual a importância deste evento?

Do trabalho da romaria nasceram projetos de convivência com o semiárido. Na minha concepção as romarias ajudaram a Coopercuc, cooperativa de beneficiamento em grande escala de produtos orgânicos, nascer. É importante o seu trabalho para dizer que o sertão é luta é festa. Tem poesia, tem cantoria, projetos de beneficiamentos, tem trabalho de convivência. As últimas secas não tiveram vítimas humanas por causa desse trabalho feito pelas ONGs e apoiado pelos últimos governos. Eu não sei o que acontecerá daqui para a frente, eu desconfio desse… (governo). Não acredito porque agora é um Estado meramente arrecadador, que vê o nordestino com a cuia e o bastão, sobretudo o catingueiro. Mas por outro lado, não conseguiu tirar nossa esperança.

Esses trabalhos de convivência ajudaram a ver que o sertão não é um lugar feio, que o povo não é feio. O povo é criativo, tem seus trabalhos, sua vida, sua cultura. Hoje temos várias pessoas nas faculdades.

É claro que o desafio é assumir essa perspectiva histórica de Belo Monte na vida porque ela é extremamente comprometedora. A proposta de Conselheiro e sua gente nos compromete a um modelo de sociedade em que os pobres não somente devem ser assistidos. O sertanejo, a sertanejo não são para ser assistidos, para receber as cestas básicas ou o desgraçado do caminhão-pipa, né, mas para serem protagonistas. Quando se defende esta tese de que os pobres devem ser protagonistas, não ser coitadinhos, a gente encontra poucas pessoas que querem assumir a proposta.

Essas ONGs que foram citadas, o IRPAA, a Coopercuc, sindicatos, associações de fundo de pasto – o fundo de pasto é a reforma agrária do sertão -, têm esta proposta de entender que os pobres devem ser protagonistas de sua história. Quando se torna protagonista aprende a conviver com a seca, não fica dependendo do carro-pipa ou do bolsa estiagem.

Os programas emergenciais ajudam a circular o dinheiro. Sem eles, neste tempo de grande estiagem, seria pior. No entanto, precisamos de políticas mais consistentes. Por que nas últimas secas não morreu tantas pessoas? Porque começamos a ter um ensaio de políticas públicas. Não temos ainda políticas públicas consistentes.

Quando começou a ter as cisternas, cisternas para as famílias, cisternas de produção para a pequena horta familiar, a cisterna de enxurrada passou-se a entender que o problema não é a seca. É a cerca. As grandes cercas.

Por que o senhor se refere ao carros-pipa como famigerado?

Essa é uma visão minha e de algumas pessoas. Se o senhor ouvir a canção do Flávio Leandro, um poeta nosso, “Chuva de Honestidade”, do último DVD “Frutificando”, o senhor vai ver como a questão é analisada. Por que em pleno século 21 ainda existe o famigerado caminhão-pipa? Não era mais para existir com todas as tecnologias. Em Israel chove menos que aqui e tem muito menos água e é muito mais desenvolvido.  Por que famigerado? Porque cria dependência. O senhor votou com o coronel, tem água. Não votou, não tem água. Mesmo com a Operação Pipa (do Exército) a água ainda não chega. É famigerado porque é uma máquina de fazer voto. Máquina de manter o sertanejo escravo. As cisternas familiares foram feitas para abastecer, só que a chuva escassa, devido ao aquecimento global, deixa as cisternas esperando, mesmo no período que deveria ser de abastecimento. E aí quem vota no político… Aqui no sertão o voto não é tão secreto. É investigado, é comprado. O caminhão-pipa é uma forma de comprar o voto.

Mas mesmo com o acompanhamento do Exército há irregularidades?

Os responsáveis pela Operação Pipa, essa é uma das críticas que a gente faz, precisam ouvir mais a sociedade civil para fazer a distribuição. A corrupção que acabou, mas tem outras questões. Por exemplo, os idosos. Eles botam o caminhão-pipa numa cisterna só, tem idoso que anda quatro quilômetros para buscar a água naquela cisterna. Eles não conseguem ouvir a comunidade. Seria necessário fazer um estudo mais detalhado para fazer a distribuição.

De outro lado tem as brigas, as rixas, gente que não olha na cara do outro. Tem a questão do êxodo rural. A maior parte que está na área rural é formada por idosos, os jovens são poucos. O número de carradas (carros-pipas contratados) que oferecem ainda é insuficiente. Evidente que o DNOCS tem perfurado alguns poços e o processo de dessalinizar a água ainda é lento. Aqui tem uma veia boa de água (aquífero). Essa água que você bebe aqui vem do Jorro (distrito de Tucano, a 140 km de distância).

O que mais é necessário para melhorar o abastecimento?

É preciso tecnologias e condições para cada comunidade assumir o seu sistema. Ainda não estamos preparados, mesmo com o trabalho de conscientização feito pelas romarias. A manutenção do sistema de dessalinização é cara. Os municípios instalam e deixam lá. A gente conscientiza a comunidade para manter o sistema, para a associação criar um fundo. Foram instalados equipamentos nos povoados de Calumbi e Rio do Soturno. Só que aí se deparam com problemas. Nem todos têm instalações elétricas. São movidos por motor a diesel. Com a política de carro-pipa o círculo vicioso de você receber água. Quando lançam a ideia de implantar um sistema mais fixo, mais duradouro, incluindo os poços artesianos o sertanejo tem dificuldade de manter o sistema de forma comunitária. Embora algumas associações consigam, quando queima uma bomba da estação de dessalinização, o poder aquisitivo ainda é aquém para substituir o equipamento. Outra coisa: alguns poços foram perfurados em propriedades que não são coletivas. Essa coisa que acontece no sertão. Quem se apropria da máquina acaba se beneficiando.

Como foi o processo de surgimento do IRPAA e da Coopercuc a partir das romarias?

O IRPAA tem 25 anos, a cooperativa é mais nova, tem 13. Quando começamos a criar o debate nas dioceses de Juazeiro, Paulo Afonso, Bonfim já estava em execução o trabalho nas comunidades de fundo de pasto. Com o surgimento das romarias, ganhamos um fórum regional de discussão sobre a melhoria de vidada do povo. A romaria era o lugar de celebrar isso, o ponto de encontro. Porque a romaria? Ela é o lugar de celebrar e isso servia de estímulo estimulando. Como a Coopercuc surgiu? Com o trabalho de convivência, das cisternas, do fundo de pasto, surgiu a necessidade de trabalhar a produção. Quando a gente trabalhou em uma das romarias “Canudos um modelo de economia solidária”, a gente trouxe o pessoal da Coopercuc para visualizar isso. A cooperativa surgiu com os padres que estavam na região, com as freiras e com os lavradores e lavradoras. A patente da geleia do umbu foi obtida pelas as mulheres do sertão, a Embrapa só assinou.

A quais romarias o senhor se refere?

Especificamente a de Canudos, inspirada no projeto de Conselheiro. A romaria de Padre Cícero não tem essa conotação. A romaria das Águas, em Barra, com Dom Cappio é uma romaria parecida com a nossa. Tem caráter mais popular, que traz o tema da água. Outras romarias de cunho mais religioso, que a gente respeita, não tem esse foco.

A Igreja passou por um longo período conservador com João Paulo II, Bento XVI. Houve até repressão aos exponentes da Teoria da Libertação. No momento atual, com o Papa Francisco, a tendência é haver uma reaproximação preferencial com os pobres?

Uma reflexão, que como teólogo sempre faço: a Teologia da Libertação deu uma contribuição no sentido do protagonismo dos pobres, da igreja da base, de um Deus libertador, de um Deus próximo. Ela é um legado da Igreja da América Latina, da qual veio o padre Francisco. Ele foi um dos grandes colaboradores da Conferência de Aparecida (2007), um dos relatores. O histórico dele como teólogo é melhor que os outros pela organicidade que tem a igreja da América Latina com a Teologia da Libertação, que ainda está muito sufocada.

Eu acredito que o Papa Francisco é um remendo novo para um tecido velho. É um vinho novo para um barril velho. A estrutura é um retrocesso ainda. Temos experiências bonitas da igreja da base, da Campanha da Fraternidade, das pastorais sociais que apoiam a luta do povo, mas a igreja do conservadorismo tem uma forte tendência ainda: somente incenso e grandes celebrações bastam. Não é só isso. O Papa Francisco veio para o mundo com esta voz profética, que nos questiona, que nos provoca, mas ele encontrou na Igreja tanto na Europa, como América Latina, um tecido conservador, que eu entendo que nós devíamos aproveitar essa onda boa, que é a presença dele, para nos fortalecer mais enquanto Teologia da Libertação.

A sociedade fica cada vez mais complexa e a tendência é ficarmos na retranca. O padre Francisco propõe uma igreja saída, que vai até as periferias humanas. O fato de sair até as periferias humanas não agrada as grandes cúpulas que preferem os panos, as batinas, as grandes celebrações pomposas em vez da celebração para o povo, de estar escutando estar visitando, está entusiasmando as pessoas, as entidades e os movimento sociais. Essa é uma reflexão minha como teólogo e assumo ela. Se vou ser incompreendido, não importa. É a leitura que eu faço.

(Nota da redação: A Conferência de Aparecida teve como tema geral a Igreja missionária, que deve ser prioritária, deixando em segundo plano a administração da minoria que frequenta as paróquias)

Quais os sinais positivos deste cenário?

A Teologia da Libertação não está morta porque temos a experiência bonita das pastorais sociais, porém há uma tendência muito forte de sufocá-la. Surgem movimentos religiosos intimistas, que acabam abafando isso. E como a gente está vivendo um tempo de crise, em todos os sentidos, a Teologia da Prosperidade, que é o paradoxo à Teologia da Libertação, está em alta. A Teologia da Prosperidade não é o que o papa prega.

Na convivência com o povo de Canudos, quais são as principais necessidades que ele leva à Igreja?

No momento em que estamos, uma grande necessidade é a escuta. No meio de nosso povo temos uma demanda considerável de pessoas deprimidas. A crise do vazio que o sistema neoliberal provoca. Então é uma demanda forte, temos que dar atenção. Uma outra demanda que vem junto com isso é a própria dignidade. A vida de Canudos com o perímetro irrigado, com todo o potencial aí que era para proporcionar uma vida mais digna. Mas a lógica, às vezes, é a de se dar bem. Então mesmo com o avanço que conseguimos com as ONGs, com essas de convivência com o semiárido, ainda temos a necessidade de redemocratizar os espaços. É uma questão séria. A gente sente que todos os conselhos existentes são faz de conta. Aí a angústia vem porque a gente quer contribuir com a transformação, mas também há uma desmotivação de querer assumir esses espaços.

Sobre o que o senhor está falando?

Sobre políticas públicas. Perceba que numa cidade histórica como Canudos não se tem um banco. O posto do Banco do Brasil funciona para coisas práticas: transferências, pedidos de cartão, mas para sacar dinheiro é preciso ir a Euclides da Cunha ou Uauá. Ou então ir à lotérica ou banco postal, que só operam até um determinado valor. Isso limita muito as pessoas

A causa disto são os roubos?

Alegam a questão de segurança, mas ultimamente reforçaram o número de policiais. A situação melhorou. Canudos é posto de autoatendimento ligado a Euclides da Cunha. A leitura que eu faço e que a gerência de Euclides da Cunha não tem interesse em fazer funcionar bem o posto de autoatendimento para ficarmos dependente de lá.

Outra questão neste sentido é a necessidade de valorização do turismo religioso, do turismo histórico. Canudos tem potencial, mas precisa de investimentos públicos. A maior parte do que temos hoje aqui, irmão, foi promovida pela iniciativa privada. Aquele senhor do hotel que o senhor ficou, o Palace, o Hotel Brasil, o Pôr do Sol, o Hotel Marcelle, a estrutura de Canudos Velho, tudo é iniciativa privada. A única iniciativa pública é o Parque Estadual, onde fizeram a demarcação dos cenários da Guerra de Canudos, e a Uneb, que agora conseguiu um campus avançado. Com isso, a gente entende que temos necessidade de mais recursos públicos para o turismo.

Como o senhor vê essa tentativa de sufocar Canudos?´

Nós fazemos as romarias (em 2017 será a 30ª) com a cara e a coragem. Há uma dificuldade de se acreditar nesse projeto.

O senhor acredita que com essas dificuldades as romarias deixem de existir?

Temos que estar atentos para manter viva essa chama porque se a gente deixar se abater corre o risco de não existir esse espaço de debate. Vamos ser realista, tanto da parte do estado e de outras entidades muita gente vem pesquisar sobre Canudos e depois levanta voo. É preciso ter interesse real pela cidade. Usando o nome de Canudos, o poder público consegue uma escavadeira, 250 tanques de criação de peixes que estão enferrujados…

E alguns foram roubados…

O senhor está por dentro. Aí é que entra o nosso trabalho profético, insistente para não deixar os projetos morrerem.

Qual foi a grande satisfação que o senhor teve em Canudos?

Primeiro, a motivação está fundamentada no projeto Belo Monte. É a grande inspiração, a grande força. Uma outra motivação aqui no sertão é o viés cultural. No Santo Antônio, a cidade para. A espontaneidade das manifestações culturais é algo que motiva, eu gosto dessa parte, pessoalmente. Faz parte do meu ministério também o resgate da cultura, das danças, do forró. A gente promove o reisado. No Santo Antônio a gente faz o pé de serra ao lado da igreja. Esse viés cultural é algo que contagia o povo do sertão. Mesmo com o coronelismo que existente, a gente percebe, com algumas baixas, que ainda tem a solidariedade entre os sertanejos. Se alguém está doente, organiza-se uma campanha. É nesses elementos que a gente se ancora para continuar acreditando. As grandes mudanças da história nunca foram feitas nos grandes gabinetes, nos palácios, vieram do alternativo. A ideia é não deixar essa geração que vem aí ficar sem ter referências. O Estado abafou muito Canudos. Hoje é melhor chegar na igreja e dizer: “Viva Santo Antônio! ”. A igreja toda aplaude. Se disser “Viva o Conselheiro! ” tem um grupo que ainda bate palma, mas é pequeno.

Leia a sériE completa

Fazenda Rebolão de Chorrochó  Fazenda Gatos de MacururéFazenda Riacho Fechado Fazenda Alto do Leite Sítio Tomás, em Canudos Fazenda Pau de Colher

A MÚSICA

Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.

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